A saída da Infraero das concessões de aeroportos no Brasil deverá ampliar os investimentos no setor. No entanto, também poderá levar a um corte de voos nas regiões menos movimentadas, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.
"Há riscos que estão sendo subestimados. Não é obrigação do investidor privado fazer política pública. À medida que se privatiza tudo, fica mais difícil desenvolver aeroportos regionais que hoje não são rentáveis, mas que podem vir a ser dentro de 10 ou 20 anos", afirma Gustavo Lopes, sócio da consultoria Roland Berger.
"É importante lembrar que a estrutura logística do país vai mudar muito com seu desenvolvimento nos próximos anos", diz.
Para ele, o modelo de leilão por blocos de aeroportos, adotado pelo governo federal, acentua essa possibilidade, já que cria uma lógica de otimização do conjunto, e não o desenvolvimento individual deles.
"Por exemplo, se uma região tem um voo internacional, uma parte importante do aeroporto é destinada a isso: há alfândega, imigração. Tudo isso ocupa um espaço significativo, às vezes para só um voo por semana. Quando se busca otimizar um bloco, pode ser mais rentável concentrar os voos no maior aeroporto do bloco, tirando dos menores."
Apesar desse risco, é um consenso entre os analistas do setor que as concessões tendem a ampliar de forma significativa os investimentos nas estruturas físicas dos aeroportos e melhorar a qualidade do serviço para os usuários.
O maior salto de qualidade deverá vir justamente nos de menor porte, que ainda são totalmente operados pela Infraero, avalia Fabio Falkenburger, que comanda a área de aviação do Machado Meyer.
"Nesses casos, a desestatização traz muito investimento, beneficia os usuários e ajuda a fomentar um mercado regional. Já nos aeroportos em que a Infraero tem participação minoritária, ou mesmo em Congonhas ou Santos Dumont, onde não há muito espaço para expansão, o impacto é menor. O principal objetivo é fazer caixa e talvez dar mais eficiência", diz o advogado.
A Infraero mantém uma participação de 49% em algumas concessões de aeroportos, cujo controle é detido por parceiros privados.
É o caso dos aeroportos de Brasília, Confins, Viracopos, Guarulhos e Galeão.
Em 2018, essas operações foram responsáveis pelo prejuízo da estatal, que foi de praticamente R$ 700 milhões. A operação desses cinco aeroportos provocou um rombo de R$ 823 milhões na companhia no ano passado.
Algumas dessas concessões passam por dificuldades financeiras, provocadas por problemas na modelagem dos contratos e pela queda de movimentação decorrente da crise econômica.
Apesar dessas dificuldades, a qualidade do serviço para os passageiros desses aeroportos melhorou do mesmo jeito, afirma Lopes.
Para além dos problemas financeiros das concessionárias, o modelo de participação minoritária da Infraero se mostrou equivocado, porque traz uma lógica de governança pública a uma operação privada, de acordo com Fernando Vernalha, da VGP Advogados.
"A saída da estatal do mercado é saudável e tende a trazer mais eficiência à prestação do serviço", diz.
Os analistas ressaltam, porém, que o caminho até a saída completa da Infraero não deverá ser nada simples.
O primeiro desafio será estruturar leilões atrativos para desovar aeroportos menores, cuja operação não é rentável, afirma Pablo Sorj, sócio do Mattos Filho. "Não sobrou tanta coisa atrativa. Mesmo com o modelo de blocos, não será fácil estruturar."
A próxima rodada de desestatizações está prevista para o segundo semestre de 2020. O objetivo do governo federal é leiloar três blocos regionais de aeroportos nas regiões Norte, Sul e a chamada Central (de Goiás a Maranhão).
Depois disso, há ainda a perspectiva de conceder outros três blocos à iniciativa privada até 2022. Nessa rodada, entrariam os aeroportos mais aguardados pelo setor privado, como Congonhas e Santos Dumont.
Para Lopes, da Roland Berger, ainda é cedo para avaliar a atratividade de cada um dos leilões, já que isso dependerá das condições definidas no edital.
Outro entrave para a saída completa da Infraero do setor será a venda de suas participações minoritárias nas cinco concessões, diz Sorj.
"Em geral, o operador gosta de ter o controle, e não ficar com uma fatia de 49%. Além disso, o comprador teria que aderir a um acordo de acionistas já existente. Isso reduz a atratividade", afirma.
Fonte - Folhapress
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