O nome do político pernambucano Fernando Lyra ficou associado nacionalmente ao combate à Ditadura Militar pela ousadia de sugerir o nome de Tancredo Neves para derrubar a ditadura no colégio eleitoral, depois da derrota da campanha das Diretas Já. Os amigos sempre destacaram a ousadia de Lyra por ter articulado a opção Tancredo Neves no quintal da Ditadura.
“Participei do debate, via as resistências, ouvi as críticas. Eram todas contra a defesa do caminho pelo Colégio Eleitoral. Mesmo assim, persistiu, tanto no convencimento doa aliados, como na atração do próprio Tancredo que, no princípio, não parecia acreditar muito na alternativa. Nem querer renunciar ao mandato de governador de Minas, com pouco mais de um ano no governo para a impossível aventura de disputar a presidência no quintal da ditadura, o colégio eleitoral”, já escreveu Cristovam Buarque. “Enfrentar a Ditadura era mais fácil do que enfrentar os que estavam acostumados à ideia das Diretas como o único caminho para a democracia”.
Em seu livro de memórias, Fernando Lyra lembrava que o golpe militar foi precipitado por Minas Gerais e também para Minas Gerais, mas em sentido oposto (Tancredo). “É que o Brasil se mostrou a melhor opção para liderar o país de volta à democracia, depois de tanto tempo de jejum forçado na escolha do seu presidente da República. “Ainda não pelo voto direto, como queríamos, mas com a legitimidade das massas”. Numa suprema ironia do destino, outro presidenciável como Aécio Neves, na época um jovem estudante, no dia do golpe inclusive, era presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e protestava contra o movimento militar e convocava os estudantes a reagir. O nome dele era José Serra, a quem Lyra costumava estocar por ser tucano e, mais do que isto, paulista.
Para ele, os paulistas só pensavam em São Paulo. “Nós admiramos São Paulo, que é o ponto alto do desenvolvimento econômico brasileiro. Eu não tenho nada contra São Paulo, mas os paulistas não podem ser donos do Brasil”, dizia Fernando Lyra. Por este raciocínio, não seria justo, portanto, que São Paulo - com o poder econômico que tem – também controle o poder político. Esse princípio orientou a formação do que seria o Ministério de Tancredo Neves. Tancredo se recusou a dar o Ministério da Fazenda a Olavo Setúbal, dono do Banco Itaú, prefeito de São Paulo, e candidato ostensivo ao Ministério da Fazenda. Tancredo considerava que ele, o presidente Tancredo, tinha que ter o controle pessoal sobre duas pastas: a Economia e a Justiça, que Fernando Lyra ocupou.
Fernando Lyra, discutindo as ideias de Tancredo, lembrava que o ex-presidente escolheu o banqueiro Olavo Setúbal para o Ministério das Relações Exteriores, porque não queria um paulista no comando da economia”, disse. “São Paulo não poderia ser o que é e ainda comandar o Ministério da Fazenda”, completa. Foi por esse motivo que Tancredo escolheu Francisco Dornelles – seu sobrinho – para chefiar a área econômica. Com isso, o próprio Tancredo seria o ministro de fato, segundo Lyra. “O problema desde aquela época já era São Paulo”, lembrou o ex-ministro de Tancredo.
Na vida prática, quando muitos de nós estávamos na faculdade, o nome de Fernando Lyra ficou também associado à censura ao filme Je vou salue, Marie. Sarney quem mandou censurar o filme, a pedido da Igreja Católica, mas quem levou as bordoadas foi o pernambucano, que era contra a proibição.
“O drama maior do político intuitivo, no entanto, é quando ele põe de lado a intuição que acredita em nome da racionalidade que duvida. Nesse momento ele se abandona. Deixa de ser. Todo Fernando queria liberar o filme. Foi o último momento do último dia. Tentou o último argumento: a questão deveria ser discutida no Judiciário. Ai sim, numa democracia, proibição deixa de ser censura, e se assume legitimamente enquanto defesa de direitos de terceiros. Em qualquer outro lugar, não. Mas a Igreja Católica foi implacável e retrógrada pedra no caminho. A conservadora hierarquia de Roma se apropriara e cobrava para si crédito que não era seu: o apoio da Teologia da Libertação para a democratização do pais. E por razões de Estado, que a intuição ressentia, o filme foi censurado pelo Ministério da Justiça do angustiado ministro. Mas, se a intuição foi contida, o futuro não. Como tinha dito no Teatro Casa Grande, no Rio: censura nunca mais. A partir de então nunca mais se censurou no país. Às vezes, perde-se, para poder ganhar”, observou certa vez o ex-chefe de gabinete de Fernando Lyra no governo Sarney, Joaquim Falcão.
Nascido no Recife em 1938, Fernando Soares Lyra (74) formou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Caruaru em 1964. Após dois anos como advogado, ingressou no antigo MDB e disputou, com sucesso, uma vaga na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). Compunha o setor do MDB que fazia oposição mais veemente à Ditadura Militar. “Quando conquistei meu primeiro mandato, havia uma ditadura no País. Uma ditadura que, como todo mundo sabe, tinha a pretensão de parecer uma democracia e criou um partido de oposição. Entrei nele e, apesar de todas as dificuldades, da ameaça que pesava sobre nossas cabeças, da cassação de mandatos, de prisões, torturas e assassinatos de parlamentares, o MDB se transformou em importante espaço de luta democrática. O Parlamento viveu no período momentos deploráveis e momentos gloriosos. Hoje, com a democracia instalada, os momentos gloriosos tornam-se raros”, afirmava.
Em 1970, Fernando Lyra foi eleito deputado federal, tendo renovado mandato por três vezes - período em que se afastou do grupo mais oposicionista da sigla, tornando-se "moderado". Foi também durante seus anos em Brasília que se aproximou de Tancredo Neves. Com o fim do bipartidarismo, em 1980, ingressou no PMDB. Durante o seu quarto mandato Fernando Lyra foi convidado para o Ministério da Justiça, indicado por Tancredo Neves, de quem viria a coordenar a bem-sucedida campanha presidencial.
Em 1986 entrou no PDT e, pouco depois, compôs chapa com Leonel Brizola na disputa pelo Palácio do Planalto, não tendo chegado ao segundo turno. Voltou a disputar eleições em 1990, não tendo conseguido mais que a suplência na Câmara Federal. Seu último mandato federal se encerrou em 1998, tendo abdicado da disputa eleitoral, alegando que seu estilo de atuação não tinha mais espaço no Congresso Nacional.
Em Pernambuco, assumiu em 2003 a presidência da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) - da qual se despediu em 2011. Deixou o órgão em função do agravamento de seus problemas de saúde, mas nunca deixou de respirar a política local e nacional. Fernando Lyra teve papel importante nas campanhas de eleição e reeleição de Eduardo Campos (PSB) para o Governo de Pernambuco, em 2006 e 2010. A sua voz bastante grave era sempre usada para imprimir um tom mais sério, apontando o dedo ou respondendo a crítica de um adversário dos socialistas.
Na campanha eleitoral da eleição e depois da reeleição, Eduardo Campos fez uso do aliado. Até João da Costa, em sua primeira e única eleição, quando no meio do fogo cruzado com os democratas que lhe pediam a cabeça ao TRE, por suposto abuso da máquina, depois negado, também não titubeou e o chamou para o guia eleitoral.
Nas eleições de 2010, aliado de Eduardo Campos e de Lula, Lyra chegou a pregar a aposentadoria de Jarbas e faz reparos à iniciativa do senador do PMDB em ter aceitado a disputa majoritária. “Vejo que nestas eleições haverá um forte componente da questão geracional. Eu acredito que o político tem que saber a hora de parar. Não sei como Jarbas se meteu em uma fria destas (disputar o governo do Estado), com a base toda desfeita. E além disto ainda apoiar um candidato que não é do partido dele (José Serra). Por isto, acho que vai haver uma renovação grande”, afirma. De fato, Jarbas levou uma sova grande, mas, nas eleições municipais do ano passado, não só não se aposentou como migrou para o palanque socialista. Lyra não deu um pio, nem foi procurado pela imprensa local.
O ex-governador do Distrito Federal, o pernambucano Cristóvam Buarque, cita um comício de 1978, no Recife, para destacar as qualidades de orador de Fernando Lyra. Buarque foi chefe de gabinete de Lyra no ministério da Justiça. “Ali estava um dos melhores palanqueiros que o Brasil já teve”, elogiava. Em 2009, lançou o livro "Daquilo que eu sei - Tancredo e a transição democrática", com memórias pessoais do autor, revelando bastidores do período histórico das Diretas Já e da derrocada do Regime Militar, além dos bastidores da sua articulação na eleição de Tancredo Neves. O neto de Tancredo, Aécio Neves, que não é bobo e entendia o recado, veio prestigiar o livro.
Lyra teve a felicidade de conviver com grandes políticos de várias gerações, mas sempre dizia que o maior político que conheceu foi sem dúvida Tancredo Neves. “Mais do que ninguém, ele soube fazer a hora na história do Brasil. Personificou a transição democrática, mas o destino não quis que fosse o seu executor”.
O lançamento do livro permitiu uma leitura subjacente, de estímulo à uma aliança entre Eduardo e Aécio Neves, até hoje cogitada. Tancredo Neves tinha como neto Aécio Neves, que já chegou a duvidar se teria vez no PSDB para José Serra e vive sendo cantado por outros partidos. Arraes deixou como herdeiro político justamente Eduardo Campos.
“Tenho muita alegria em ver desabrocharem jovens políticos com futuro promissor, como o próprio Eduardo, Aécio Neves”, reafirmou, recentemente. "Concordo com o pensamento de que candidatura presidencial vitoriosa não é projeto, é destino. O importante é que, no governo Eduardo Campos, Pernambuco mudou. Hoje, ele é um protagonista indispensável da cena política nacional", comentou, há meses, sobre o afilhado Eduardo Campos.
Com o livro, de forma marota, Fernando Lyra queria dizer que São Paulo não pensa o Brasil e que Aécio, por ser mineiro e não paulista, seria uma boa opção ao PT. “Porque São Paulo só pensa em São Paulo”, dizia Lyra. “Aécio não é PSDB – diz Lyra. Aécio é mineiro”. Na sua avaliação, o quadro político da época de Tancredo Neves não havia mudado, pois a disputa pela sucessão de Lula envolveu o PSDB e o PT, partidos que, a rigor, não existem fora de São Paulo. Por isso, na disputa da reeleição de Lula, o paulista José Serra evita as prévias que Aécio defende. “Serra não quer se submeter ao escrutínio nacional, justamente por ser paulista”.
Nas suas palavras, todo brasileiro que tem a visão de que é preciso criar um contrapeso ao poder econômico de São Paulo. “Isso é uma percepção de todo brasileiro”, dizia Lyra. Para Fernando Lyra, não era só Aécio, nem foi só Tancredo quem teve a percepção de que era preciso afastar São Paulo do controle político - se já tem o controle da economia. Lyra também contava que Aécio Neves poderia nesse período se tornar mais nacional do que o José Serra. Serra foi esmagado, Aécio não decolou.
A história está aberta... Em favor do outro neto. Quem viver, verá.
Do Blog do Jamildo
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