Vivemos em uma sociedade fortemente conectada à Internet. Talvez por isso, a nova empreitada de Mark Zuckerberg, CEO do antigo Facebook, agora Meta, cause mais curiosidade do que estranhamento em nosso imaginário. A mudança do nome da empresa pode não ter tido o impacto que o empresário esperava, mas ajudou o mundo a se interessar um pouco mais por sua promessa de futuro: o metaverso.
“Metaverso é tanto um termo, uma palavra antiga, quanto um conceito antigo. Com a possibilidade do avanço da tecnologia, a gente está conseguindo voltar nesse conceito, mas agora com uma hipótese mais real de alcançá-lo de fato”, comenta Guilherme “Moika” Menezes, consultor em engenharia de software, do C.E.S.A.R. School. A palavra Meta vem do grego e pode ser traduzida como “Além de”, em que “verso” representa o nosso universo.
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Ele explica que a ideia desse lugar digital “é trazer essa interface entre homem e máquina em ambiente virtual, saindo da experiência isolada de entrar num jogo ou numa sala de reunião e fazer com que essas experiências tenham ligação com o ambiente real de fato", diz. “Por exemplo, se você entrar em um jogo, jogar e sair, aquilo [o ambiente do game] deixa de existir e a ideia é que o metaverso não deixe de existir se você sair dele, ele é perene”, explica.
Assim como descrito por Moika, o termo metaverso não é novo. Apareceu pela primeira vez em um romance distópico chamado Snow Crash, escrito por Neal Stephenson, em 1992, e publicado no Brasil pela editora Aleph. Na obra, há uma nação pobre, governada por franquias corporativas, que tem o metaverso como um ponto de entretenimento, ou mesmo fuga. O protagonista se insere nessa outra realidade, 3D, virtual, imensa e violenta, tal como muitos de nós, em uma rodada do jogo Fortnite, por exemplo.
Porém, diferente da distopia apresentada por Stephenson, mas não tão distante das experiências que vêm sendo propostas no Battle Royale da Epic Games, a Meta - em suas próprias palavras - quer trazer “uma combinação híbrida das experiências sociais online atuais, às vezes expandido em três dimensões ou se projetando no mundo físico” e a experiência do usuário pode ser a chave para entender o que esperar do conceito que vem sendo vendido por Zuckerberg.
Tudo vai depender dos sentidos
Para o antropólogo e designer UX, Léo Lima no metaverso “Você tem a possibilidade de interagir com as pessoas. Ao invés de [usar] texto, áudio e uma tela, você pode interagir com o avatar da pessoa, em um local que torna, por exemplo, possível nós dois estarmos tendo essa conversa dentro de um ambiente digital semelhante ao mundo dos jogos”, explica.
Um exemplo prático são os vídeos apresentados por Mark, durante o Connect 2021. Cheios de referências visuais, eles propõem a imersão no ambiente virtual através de óculos de realidade virtual (ironicamente vendido por Zuckerberg, mas não apenas por ele) e outros dispositivos periféricos que tornariam as sensações táteis reais, mesmo que em ambiente virtual.
Léo Lima reforça que a ideia se torna ainda mais atrativa por conta de uma interoperabilidade, ou seja, a possibilidade de uma interação entre sistemas. É você poder transitar da sua vida atômica para a sua vida de bites, de forma tranquila. Os valores que você tem, as posses, os gadgets, as habilidades que você tem aqui fora lá dentro e vice-versa. Ter essa interoperabilidade tem se tornado um desejo comum entre as pessoas que vivem agora nesse mundo híbrido, porque o [nosso] mundo já é híbrido.
Para ele, Zuckerberg requenta esse conceito de um jogo de 2003, chamado Second Life - um simulador de vida real com foco em interações sociais, e tenta agregar isso ao que, em suas palavras, o CEO da Meta tem de mais importante: a base de usuários. “O que ele quer fazer é pegar esses usuários e embarcar nesse outro ambiente digital que é experiencial, que não é só leitura e escuta. A gente tem que entender que o Facebook está passando por um escândalo grave e que essa jogada de Zuckerberg tem um pouco mais de camadas do que apenas o lançamento do metaverso”, completa.
Redes Sociais e escândalos do Facebook
Em meio aos escândalos envolvendo documentos internos vazados, o grupo Facebook resolveu mudar o seu nome para Meta. No documento, consta que a corporação sabia sobre diversas negligências da plataforma, mas optava em esconder tudo e não mudar a sua conduta. Entre as acusações, a ex-gerente de produtos da rede social, Frances Haugen, afirmou que a plataforma tinha ciência que os sites eram prejudiciais para a saúde mental dos adolescentes.
Para que esses impactos emocionais sejam ocorridos em menor proporção no cenário do metaverso, é necessário que haja uma regulamentação efetiva nas plataformas, método que não é experienciado nas redes sociais. De acordo com o psicólogo e logoterapeuta Arthur Amorim, essas precauções auxiliam para minimizar os conflitos existentes no universo virtual.
“É muito utópico simplesmente dizer que o metaverso vai ser seguro para a saúde mental. No dia a dia, nós já temos conflitos que influenciam no nosso psicológico, quanto mais em um servidor que seremos representados por avatares e convivendo com diversas pessoas do mundo, com diferentes hábitos. Essa realidade aumentada vai ter uma influência muito grande na nossa saúde mental. É importante que as empresas estabeleçam leis e diretrizes que possam evitar ou tentar minimizar ao máximo os conflitos dentro desse universo”, explicou o psicólogo.
A necessidade do virtual
Diversos fatores englobam a necessidade do ser humano em se relacionar através do virtual. Com o metaverso, é possível idealizar a “vida perfeita” e deixar de lado a realidade que nós conhecemos.
“Existem duas questões, uma externa e outra interna. A questão externa parte muito do desenvolvimento cultural. Nós vivemos em uma era de bombardeios, de mudanças, informações e muitos impactos no processo cultural e isso vai influenciar nas nossas ideias básicas acerca do que é essa natureza humana. A questão interna é porque a gente também vem em um movimento de fuga da realidade e de querer viver em um mundo ideal. Nesse mundo ideal, a gente consegue criar tudo. Isso fala muito da insegurança na vida de uma forma geral, como a baixa autoestima, as dificuldades em lidar com traumas, medos, frustrações e com tudo que faz com que o ser humano vá se desenvolvendo”, destacou a psicóloga especialista em psicologia social, Fabiane Cavalcante.
Controle, conforto, satisfação emocional e fuga da realidade são fatores que regem esse interesse do ser humano em tecnologias como o metaverso. De acordo com a psicóloga, estamos vivendo um período de dificuldades em encarar a si mesmo. Esse medo acaba isolando as pessoas no mundo virtual. “Quanto mais a gente se isola, mais temos vontade de nos isolar. Quando a gente não tem contato com os outros, não temos contato com nós mesmos. É um medo de se encarar”, frisou Fabiane.
Aproximação ou afastamento entre as pessoas?
Para além do contato virtual, é necessário que o ser humano busque os convívios pessoais e não se limite, apenas, a vida por trás das telas. Para o psicólogo e logoterapeuta Arthur Amorim, é necessário o contato com a diversidade presente na sociedade, fazendo com que as pessoas evoluam nas áreas pessoal e profissional. Habilidades cognitivas, motoras e interpessoais são melhoradas com esse convívio mais aproximado.
Dependendo de como a tecnologia é utilizada, é possível que haja uma aproximação ou um afastamento entre os seres humanos. Ferramentas como WhatsApp e Telegram ajudam no imediatismo das conversas e na aproximação, enquanto a cultura das curtidas, por exemplo, afasta e torna as relações mais efêmeras. Porém, esse distanciamento não é de hoje.
“Esse distanciamento vem desde quando a televisão se tornou um artigo de destaque na sala de casa e foi sendo aprofundado com a internet e a ausência do corpóreo. Com isso, acabamos tendo relações muito efêmeras. Aí entra a questão sociotécnica, tanto a técnica altera as ações das pessoas, como a conjuntura social também altera os usos das técnicas. Essas duas partes só funcionam juntas e ao mesmo tempo”, pontuou o sociólogo e doutorando em geografia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Carlos Luna.
Para o também sociólogo Ivan Rodrigo Novais, o metaverso pode favorecer a globalização e a relação entre as pessoas, porém, esse imediatismo dos meios tecnológicos pode também ser motivo de distanciamento.
“Este processo é visto com ressalva, já que estamos no epicentro do abalo das democracias ocidentais ocasionado pelo acesso e veiculação de informações quase irrestritas. É neste contexto que também podemos observar os afastamentos. Em circunstâncias familiares, ou mesmo no trabalho, o avanço dos hábitos virtuais de socialização vem reproduzindo a radicalização dos discursos e a aceleração do intercâmbio identitário. Quero dizer que o rápido deslocamento de significados - sentidos ou orientações encontrados nas redes virtuais - está provocando uma demarcação iminente de fronteiras ideológicas com características radicais”, destacou Ivan.
Acessível para quem?
Com o investimento de corporações como a Meta, o metaverso torna-se ainda mais dominado pelas grandes empresas. “O metaverso vai ser um espaço compartilhado pelas comunidades e criado por todos ou vai ser totalmente prioritário e vamos precisar viver na realidade de grandes empresas?” Assim, o pesquisador de Mídias do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS) , Victor Barcellos, abre o questionamento sobre essa nova realidade virtual.
De acordo com o pesquisador, a desigualdade social, a discriminação e a exclusão vividas diariamente por milhares de pessoas também estarão presentes no metaverso. Por ser uma tecnologia mais avançada, algumas pessoas podem não ter acesso aos recursos necessários.
“Uma parte significativa da população mundial não tem acesso ainda a internet e para você entrar no metaverso, é preciso uma conexão com a rede. Para que a experiência seja completa, você precisaria de óculos de realidade virtual e hoje não é nada acessível. Não é todo mundo que tem as ferramentas físicas para entrar no Metaverso e mesmo lá dentro, é bem provável que as propriedades, as roupas e as experiências que vão ser proporcionadas sejam pagas para uma determinada empresa fornecer. As empresas vão passar a produzir experiências pagas que só as pessoas que têm condições financeiras no mundo físico vão poder experimentar”, destacou Victor.
Por Katarina Bandeira e Tarsila Castro - Folha de Pernambuco
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