Uma pesquisa minuciosa trouxe à tona a verdade sobre mais um fato da história recente do Brasil. Documentos inéditos apresentados, na sexta-feira (17.12), pela Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Hélder Câmara (CEMVDHC) expõem os esforços do governo militar para evitar que Dom Hélder Câmara fosse premiado com o Nobel da Paz, nos anos 70. Em um ato no Palácio do Campo das Princesas, no Recife, o governador Paulo Câmara disse que a divulgação dos dados ratifica o compromisso dos pernambucanos com a democracia e com a verdade.
Paulo Câmara enalteceu o trabalho de pesquisa da comissão e pontuou ainda a amplitude das ideias de Dom Hélder em defesa dos direitos humanos e da democracia. "O dano produzido pelos senhores da ditadura revela-se hoje de forma plena no documento que é entregue à sociedade. Perseguir e ameaçar Dom Helder já não era suficiente", enfatizou o governador, pontuando ainda: "Os documentos revelados demonstram também a busca por denegrir e calar sua voz, muito embora o seu apostolado fosse tão só em defesa dos direitos humanos".
Relatos comprovam que a indicação ao Nobel ocorreu entre os anos de 1970 e 1973. Partiu de personalidades e instituições culturais e religiosas da França, Itália, Alemanha, Bélgica, Holanda e outros países. Mas o religioso não chegou a ser premiado devido à uma articulação do governo Médici. A narrativa pode ser conferida no caderno especial “Prêmio Nobel da Paz: A atuação da Ditadura Militar Brasileira contra a indicação de Dom Hélder Câmara”.
As provas concretas foram reunidas com o apoio do Itamaraty, além do diálogo com especialistas e instituições, a exemplo do Instituto Dom Helder Câmara (IDHeC), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), do Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (APEJE), do Centro de Documentação Dom Helder Câmara (CEDHOC), do Ministério das Relações Exteriores e da Arquidiocese de Olinda e Recife.
Considerada uma liderança ímpar no Brasil, D. Hélder, como arcebispo de Olinda e Recife, foi um grande defensor dos direitos humanos no regime militar, entre 1964 e 1985. Ele agiu destemidamente ao lado de militantes que foram alvo da polícia e atirados aos porões da ditadura. Hélder Pessoa Câmara era filho de um jornalista e de uma professora. Nasceu em Fortaleza (CE), em 1909, e morreu no Recife, em agosto de 1999.
Para o coordenador da CEMVDHC, o advogado Fernando Coelho, a publicação dos cadernos cumpre um compromisso assumido com a sociedade brasileira, que teve parte de sua história omitida pelo regime militar. "Muitos fatos ficaram sem cobertura oficial durante o período e nós temos que resgatar essas lacunas. Dessa forma nós podemos devolver a história de muitos brasileiros", afirmou Coelho, pontuando ainda: "Quando a comissão instalou os seus trabalhos uma das preocupações foi a escassez de registro. A perseguição era tão grande, que Dom Hélder não podia sequer ser citado nos jornais".
O arcebispo de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, disse que o trabalho desenvolvido pela comissão é fundamental para desmentir versões tidas como oficiais. "Este caderno comprova aquilo que todos nós tínhamos consciência, mas que precisava ser esclarecido e divulgado na sociedade brasileira. O resultado desse trabalho é um verdadeiro presente de Natal para a nossa comunidade. A comissão tem um papel importante no resgate da história", disse o sacerdote.
Criada no governo de Eduardo Campos, no ano de 2012, a CEMVDHC investiga violações de direitos humanos ocorridos no regime militar. Paulo Câmara salientou a importância da decisão do seu antecessor: "O que estamos assistindo aqui é a uma demonstração de que Eduardo Campos, ao ter criado a Comissão da Verdade de Pernambuco, plantou a semente pioneira, que hoje dá frutos, os quais ficarão como um legado para a posteridade. Para que não se repitam os atos de crueldade de uma ditadura no Brasil".
Na oportunidade, o governador exaltou ainda a luta de muitos brasileiros em favor da democracia citando como exemplo de Miguel Arraes de Alencar. "Este Palácio assistiu a dignidade de Doutor Miguel Arraes em não se submeter aos ditames do autoritarismo, defendendo com honradez o mandato popular que lhe foi concedido pelo povo. Hoje, nos vemos neste lugar histórico, num encontro em que se homenageia a liberdade e a dignidade da pessoa humana, valores tão caros que Dom Helder sempre defendeu", cravou Paulo.
Para o secretário da Casa Civil, Antônio Figueira, a publicação da pesquisa é uma data histórica para o Brasil. Ele afirmou que os fatos revelados atestam a luta em favor da democracia. "O que acontece em Pernambuco é histórico para o Brasil. Esse é o tempo em que nós vencemos mais uma batalha na luta pela afirmação da verdade histórica. Uma história sobre um período que marcou a vida brasileira de uma forma dolorosa", cravou o secretário.
FILHAS DE HOLANDÊS QUE ORGANIZOU CAMPANHA PELO NOBEL LEMBRAM AMIZADE COM ARCEBISPO
A cerimônia de lançamento do caderno “Prêmio Nobel da Paz: A atuação da Ditadura Militar Brasileira contra a indicação de Dom Hélder Câmara” foi especial para as filhas de Francisco Mooren, Gabriela e Fleur. O holandês foi inspirado pelos pensamentos de Dom Hélder Câmara, tornando-se um grande propagador de suas ideias na Europa e no Mundo. Mooren organizou uma campanha internacional, para influenciar o Comitê Nobel do Parlamento da Noruega a conceder o Nobel da Paz ao brasileiro. A família contribuiu para os estudos da comissão. A revelação dos fatos não deixa de ser mais uma homenagem a Francisco, falecido no ano passado, que tanto prezou pela democracia e os direitos humanos.
A relação de Francisco com Dom Hélder era tão estreita que ele batizou a filha com o nome de Gabriela Hélder Câmara Mooren. Afilhada do religioso, Gabriela contou que seu pai foi um homem voltado para ações humanitárias e que o brasileiro o inspirava. "Meu pai tinha uma conexão com as ideias de Dom Hélder. Na Europa, o meu pai era uma espécie de secretário, organizando cerimônias. Ele acreditava que a única maneira de proteger Dom Hélder da ditadura militar era tornando ele famoso no Mundo", confidenciou.
Fleur reiterou que o seu pai nunca mediu esforços para ajudar e proteger o arcebispo brasileiro. "Quando a ditadura militar boicotou o Nobel da Paz para Dom Hélder, o meu pai organizou para que ele recebesse a premiação alternativa. Com isso, a dupla conseguiu arrecadar mais recursos do que se tivesse ganho o prêmio", lembrou a jovem.
Mooren foi sócio honorário do Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira (IMIP). Mooren colaborou com a Instituição desde 1996, viabilizando serviços diversos, tais como a UTI Cirúrgica e a Central de Esterilização, as Unidades Cardiológica Infantil e Renal. Além disso, foi responsável pelo intercâmbio de profissionais do IMIP a tradicionais universidades europeias. O holandês foi o articulador da visita da Rainha Beatrix da Holanda, no ano de 2003, ao IMIP.
Da ASCOM
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