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domingo, 6 de outubro de 2019

SALGUEIRO - GRUPO DE AMIGOS LEVA AÇÕES SOCIAIS À CONCEIÇÃO DAS CRIOULAS


Conceição das Crioulas é uma comunidade remanescente de quilombo localizada na zona rural de Salgueiro, no Sertão, distante 550 km do Recife. Não se trata de uma região qualquer. Sua história, narrada por pessoas mais velhas do lugar, remete à luta pelo território. Há quatro anos, o lugar é visitado por um grupo de voluntários chamado Amigos no Sertão. Acontece sempre perto do Natal. A comitiva, com cerca de 100 pessoas, deixa o Recife com a perspectiva de ajudar pessoas sem acesso facilitado a bens e a recursos financeiros.

Acontece que, a cada ano, quem mais se surpreende ou é tocado pelos encontros em terras sertanejas são os próprios voluntários. Pesquisas feitas em todo o mundo apontam o quanto pessoas solidárias podem ser beneficiadas em sua saúde simplesmente por praticarem o bem. Uma das integrantes da coordenação do Amigos no Sertão, a servidora pública Rita de Cássia Cavalcanti, 47 anos, sempre lembra, emocionada, da cena de uma criança comendo chocolate pela primeira vez. O alimento foi levado pelos voluntários. “Lá falta tudo. Só não falta fé. A fé faz os problemas parecerem menores. A fé é a palavra chave”, reflete.

O Amigos no Sertão foi criado há cinco anos e hoje cinco casais participam da coordenação. Na primeira viagem, o grupo visitou o município de Pedra de Buíque, também na região. Juntos, decidiram, no ano seguinte, adentrar mais as terras sertanejas em busca de pessoas cujo acesso à saúde, alimento e bens básicos como a água, eram ainda mais dificultados, seja pela distância, seja pela ausência de ações públicas. Encontraram Conceição das Crioulas. É lá onde pretendem permanecer nas próximas ações.

“O nordestino acha que conhece o povo nordestino. Para mim, só conhece mesmo quem vai ao Sertão. Certa vez, encontrei uma senhora que não sabia nem a idade porque nunca teve uma certidão de nascimento. Quando voltei lá, no ano seguinte, ela já tinha morrido. Ou seja, teve filhos, neto, mas nunca existiu oficialmente. O povo sempre foi esquecido pelos gestores ao longo dos anos, independentemente do governo”, pontuou Artelano Cavalcanti, 51, engenheiro mecânico, e integrante da comissão organizadora.

Ao todo, 1.100 famílias receberão doações de redes, cestas básicas, kits de higiene pessoal, kits escolares, roupas e brinquedos. As famílias consideradas mais carentes são identificadas pela igreja católica local. Moram em sítios, cujas distâncias entre eles chegam a dez quilômetros. Entre Salgueiro e Conceição, a distância é de 30 quilômetros e a maior parte da estrada é de barro. O percurso é feito sob uma temperatura média de 37 graus. O cenário nos sítios, contam os voluntários, é formado principalmente por casas de taipa. No lugar de camas, papelões ou lençóis. Por isso a doação das redes.

“Pelo menos no mês do Natal essas famílias ficam bem assistidas. Ganham um pouco de dignidade alimentar”, raciocina Ana Elisa Alencar, advogada, 48, também da equipe de coordenação e uma das fundadoras do grupo. “Levamos as cestas básicas, dois mil brinquedos, mil kits escolares, mil kits de higiene pessoal, 310 redes”, completou. As mil roupas a serem entregues para os meninos e meninas são doadas pelos projetos Roupinhas em algodão para as crianças do Sertão e Costurar com o coração.

A viagem está marcada para o dia 13 de dezembro. Os voluntários viajam em dois ônibus, se hospedam em um hotel em Salgueiro e, no dia 14, partem para entregar as doações. A volta ao Recife acontece no dia seguinte. “Conheci um senhor que morava em um cubículo onde havia apenas um colchão enrolado. Quando perguntei como ele estava, me respondeu: ‘Está tudo maravilhoso’. São pessoas muito solidárias e honestas. Felizes com o pouco que têm”, comentou Júlio Andrade, 35, jornalista e um dos voluntários.

A experiência de Manoel Barros, 51, engenheiro agrônomo e integrante da comissão organizadora, foi perceber a carência no vestir das crianças da comunidade. “Nosso lema é a gente vai aonde ninguém vai. Chegamos a um sítio onde os meninos somente usavam cueca quando chegavam à puberdade. Simplesmente porque as famílias não têm dinheiro para comprar”, lembrou. Ana Elisa Alencar conta ter encontrado pessoas que nunca tiveram sequer acesso a um desodorante ou absorvente.
A mobilização para arrecadar recursos e donativos para a viagem começa no início do ano. Este ano, o grupo avançou e tornou-se associação, com regulamento. Quem se interessa em participar como voluntário, ainda pode doar na conta do Amigos do Sertão (banco Itaú 341 agência 0814 conta corrente 18012-1 cnpj 33.483168/0001-54) ou pode ajudar preparando os kits ou mesmo recolhendo junto a amigos doações em bom estado ou novas.

Além da criação da associação, outra novidade é a realização da I Festa Beneficente Amigos no Sertão. O evento está marcado para acontecer na Casa Rosada, no Rosarinho, dia 2 de novembro. O ingresso custa R$ 60 e dará acesso a diversos shows, entre eles, o da banda de forró Os Carlos; do sanfoneiro Luizinho de Serra, de Serra Talhada; e do poeta cantador Flávio Leandro, de Bodocó. Todo o dinheiro obtido com a venda de ingressos, alimentos e bebidas será revertido para custear as doações.

Os integrantes do Amigos no Sertão também têm pensado a respeito de ações mais sustentáveis em Conceição das Crioulas. Em uma das visitas, comemoraram quando viabilizaram a reativação de um poço artesiano em um sítio. “Também queremos fazer uma padaria na vila para funcionar pelo sistema de cooperativa. Outra ideia é firmar parceria com escolas particulares do Recife para ajudar escolas municipais de lá que carecem com a falta de material escolar”, explicou Rita de Cássia.

Este ano, o Amigos no Sertão levará na viagem uma equipe de médicos (ginecologista, pediatra, clínico, cardiologista e dermatologista) e um odontólogo para atender à população. Durante a ação, os integrantes da associação afirmam manter distância de qualquer ação ligada a partidos políticos. Quando criticados quanto ao assistencialismo envolto nas doações, respondem: “A ação assistencial é também necessária porque a fome existe.”

Fonte - Diário de Pernambuco

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