“Essa raça vai acabar, viu?”. A frase veio após um homem desferir um tapa no rosto do universitário Armando Holanda, no Bairro do Recife. O jovem, atingido de raspão, é mais uma vítima de homofobia em Pernambuco na última semana por conta do acirramento da eleição para presidente do país. No mesmo dia, Armando procurou a Delegacia de Boa Viagem para fazer a denúncia. Casos como esse se multiplicam pelo país. Pessoas LGBT, negras, mulheres, além de jornalistas, são o principal alvo da fúria de eleitores identificados com o conservadorismo.
O Nordeste está em segundo lugar em número de agressões por motivações políticas, perdendo apenas para o Sudeste, segundo a Pública – agência de jornalismo investigativo e fact checking. Em parceria com a Open Knowledge Brasil, a Pública fez um levantamento inédito sobre o assunto no país. A apuração revelou que houve pelo menos 70 ataques por motivação política de 30 de setembro a 10 de outubro. Na maioria dos casos, as agressões foram praticadas por apoiadores do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), líder nas pesquisas de opinião e de perfil conservador.
A maioria dos casos aconteceu no Sudeste (32). Outros 18 foram registrados no Nordeste, 14 no Sul, 33 no Sudeste, 3 no Norte e outros 3 no Centro Sul. Por outro lado, foram registrados seis casos de agressões contra os eleitores do candidato do PSL.
O levantamento revela como as situações de violência estão disseminadas pelo país inteiro e não podem mais ser vistas de maneira isolada. Além da escalada crescente dos casos de violência física e verbal, outro dado não menos preocupante é o aumento do volume dos ataques nas redes sociais, ambiente em que o candidato Jair Bolsonaro mantém um verdadeiro exército virtual. O levantamento inédito analisou somente ameaças feitas ao vivo.
Os casos de agressão serão monitoradas e apurados pela Organização Knowledge Brasil e a Brasil.io, em parceria com a Pública. Os casos serão registrados no site Vítimas da Intolerância. Caso tenha alguma denúncia é só enviar para o endereço apublica.org. Através da assessoria de imprensa, a Secretaria de Defesa Social informou que vai apurar todos os casos de ameaça e agressão que chegarem às delegacias do estado.
A situação está tão grave que nem mesmo as crianças têm escapado da violência. O jornalista César Rocha disse que estava com uma amiga vestida com a camisa com os dizeres #elenão, que representa oposição a Bolsonaro, quando foram insultados por adolescentes. Professora universitária, Andrea Trigueiro disse que seus alunos LGBT a tem procurado preocupados e ansiosos com a intolerância. “Tenho orientado eles a andarem em grupos, evitarem ruas esquisitas e escuras, andarem com botons e adesivos somente nas proximidades da universidade. O que mais me preocupa é que, além desse clima de hostilidade, tem a questão familiar. Um aluno gay, de família evangélica, brigou com todos os parentes. Já uma aluna lésbica, ouviu do pai que somente com a vitória de Bolsonaro ela se comportaria melhor. Isso me assusta muito porque família é porto seguro, acolhimento”, destacou.
A dica para os jovens, diz Andrea, é ter compreensão e tentar manter uma conversa amorosa em casa, sem insulto com o candidato deles, mas com fatos esclarecedores sobre, por exemplo, fake news e marketing digital. “Tenham ouvido acolhedor. Eles são de outra geração e também estão com medo do que pode acontecer caso o outro candidato vença. Os meninos e meninas não estão querendo aula. Querem chorar, desabafar”, pontuou Andrea. Algumas pessoas também estão criando comunidades de cuidado no WhatsApp onde possam relatar casos de violência contra elas impetradas por grupos antifascistas.
Marcelo Pelizzoli, da Rede de Justiça Restaurativa de Pernambuco, diz que o primeiro ponto em toda essa onda de intolerância é tentar compreender que os agressores estão motivados pelo ódio. “Eles têm uma dor por trás da raiva. A raiva é uma necessidade não atendida. Algumas pessoas foram seduzidas por essa expressão da dor na forma de agressão. Se tomarmos consciência disso, mesmo o agredido, ele pode diminuir a chance de entrar nas provocações. Não temos que entrar nas provocações. Senão o outro vai realmente acreditar que está na frente de um inimigo externo”, explicou.
Usar rótulos como machista e fascista, por exemplo, também viram ataques e levam as pessoas a entrarem no jogo de vítima e agressor, destacou Pelizzoli. “É preciso aumentar os processos de escuta e pergunta, que é mais aberta e não entrar no julgamento do outro. Quando estivermos muito alterados, saímos da situação e depois conversamos. Se o outro não oferece resistência, não há motivo para continuar”.
Do Diário de Pernambuco
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