Aconteceu nesta segunda-feira (29) a audiência pública "A aplicação da internação compulsória para tratamento de dependentes químicos de álcool e outras drogas no município do Recife", convocada pelo vereador Luiz Eustáquio (PT) - autor do Projeto de Lei 017/2013, que prevê internação compulsória para viciados na capital pernambucana.
A audiência, que lotou o plenário da Câmara - apesar de muito calor provocado pro ar-condicionados que não funcionavam -, contou com ampla participação popular. Órgãos de classe dos psicólogos, psiquiatras, Conselho Regional de Medicina (Cremepe), Ministério Público (MPPE), Defensoria Pública, Casas de Atenção Psicossocial (CAPs), comunidades terapêuticas, usuários e ex-usuários de crack, muitos parentes dos mesmos e teve participação também de deputados federais que atuam com o tema.
A Prefeitura do Recife também esteve presente, através da secretária-executiva de Atenção à Saúde, Cláudia Miranda. Ela permaneceu em silêncio durante quase todas cinco horas de audiência, se negando inclusive a dar entrevista após o evento. Cláudia também preferiu não se posicionar publicamente sobre os temas em debate. "Vim para reconhecer a fragilidade da rede pública e assumir o compromisso público de buscar melhorias para a rede", resumiu a secretária, assumindo uma promessa vaga de requalificar o sistema público de saúde.
Do outro lado, muitas cobranças.
Os grupos da saúde criticaram o financiamento das comunidades terapêuticas com verba pública e a internação compulsória, vista pelos grupos como prática higienista e inconstitucional, apontando aindas galerias, a claque pró-comunidades terapêuticas defendiam bandeiras como o financiamento público das comunidades terapêuticas e o internamento compulsório, de um lado; e a ala das universidades e dos órgãos de cla desrespeito aos Direitos Humanos.
Os grupos opostos, todavia, concordaram no ponto de que é preciso mais investimento nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), braço psiquiátrico da rede pública para atender à população vulnerável.
Os grupos opostos estiveram sempre exaltados, vaiando os dissonantes e aplaudindo os consonantes
Fotos: BlogImagem
Mais CAPs
Parentes de usuários de crack, usuários, ex-usuários, representantes de comunidades terapêuticas, políticos, universidade, órgãos de classe, médicos e assistentes sociais testemunharam seguidamente a incapacidade dos CAPs, hoje, para atender à demanda de população vulnerável. Alguns afirmaram que hoje existem apenas seis vagas disponíveis para internação, outros afirmaram terem muitos CAPs fechados, outros criticaram a demora para a Prefeitura do Recife convocar concursados. Muitos elogiaram o trabalho desenvolvido nestes centros, mas sempre admitindo uma grande carência com relação à demanda.
Neste vácuo do poder público, nasceram as comunidades terapêuticas - quase em sua totalidade vinculadas a igrejas, católicas ou, a maioria, evangélicas. O deputado federal Osmar Terra (PMDB-PS), autor do Projeto de Lei 7.663/2010, colocou os CAPs no mesmo patamar das comunidades terapêuticas, afirmando não existirem dados comprovando a eficácia dos CAPs.
"Fui por oito anos secretário de Saúde do Rio Grande do Sul. E foi este período que me levou a fazer o PL [que pretende mudar a Lei Antidrogas, estabelecendo uma classificação por nível de dependência de cada tipo de droga e autorizando a internação compulsória de viciado]. O Brasil é o país onde mais se mata no Mundo. Os CAPs não são suficiente. Hoje não há nenhuma pesquisa, nenhum resultado mostando a eficácia da rede pública", afirmou.
A presidente do Conselho Regional de Psicologia da 2ª Região, Maria da Conceição Costa, saiu em defesa dos CAPs, pedindo mais verba para o SUS e um maior número de profissionais de saúde. "Não somos contra comunidades terapêuticas, desde que o trabalho delas seja feito com verba própria. As que visitamos não têm condições, não respeitam os Direitos Humanos e não eram gratuitas. Nós do Conselho de Psicologia não apoiamos a inclusão destas comunidades terapêuticas no sistema público de saúde", afirmou, sem deixar passar a oportunidade de fustigar o vereador da bancada evangélica.
"Se esse projeto não tem problema econômico [já que não pede verba do SUS para as comunidades], tem um problema moral. O senhor Luiz Eustáquio é dono de comunidade terapêutica e todas as emendas de sua autoria colocam as comunidades terapêuticas como solução. Mas a solução é o SUS."
O promotor do Ministério Público de Pernambuco Clóvis Ramos, clamou a discussão do financiamento da saúde, afirmando que a rede pública carece de casas de atendimento não só a viciados em crack, mas em qualquer droga. O promotor afirmou ainda que o MPPE cobrará dos poderes públicos no estado e no Recife uma maior atenção para a causa.
Representando a Prefeitura do Recife, a secretária-executiva de Atenção à Saúde, Cláudia Miranda, garantiu que haverá requalificação da rede pública de saúde e destacou que "está em finalização na Prefeitura do Recife o plano para enfrentamento ao crack", sem se posicionar sobre o polêmico tema. Mas o secretário de Saúde, Jailson Correia, já se pronunciou favorável em conversa com o Blog na CBN, no início de abril.
Internação compulsória
O deputado federal Givaldo Carimbão (PSB-AL) destacou que a Lei 10.216, também conhecida como Lei Paulo Delgado ou Lei da Reforma Psiquiátrica, em vigor hoje, já prevê internação voluntária, involuntária e compulsória, solicitada pela Justiça. O que, para Carimbão, relator da Comissão de Combate às Drogas, é um equívoco. "Se é caso de saúde pública, quem tem que dizer se é para internar ou não é o médico, não um Juíz. E só pode internar sem a vontade própria por no máximo três meses", afirmou. Ele manteve na nova Lei Antidrogas a internação compulsória e a classificação das drogas por sua capacidade de dependência, pontos criticados por técnicos do governo federal.
Crítica voraz desta internação, a presidente do Conselho Regional de Psicologia da 2ª Região, Maria da Conceição Costa afirmou que "internação compulsória não serve aqui [no Brasil] nem em canto nenhum". E criticou o PL municipal, de autoria do vereador Luiz Eustáquio. "Ele não usa o termo higienização, mas quando fala em tirar as pessoas das ruas, está falando sim em limpeza. É isso o que querem com a internação compulsória".
As críticas tiveram resposta do deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS), autor do PL federal. "O Conselho de Psicologia está dominada por uma facção ideológica da psicologia social", afirmou com desdém. Depois foi respondido por membros que afirmaram que "sim, ainda bem que o Conselho tem olhos para a psicologia social". O deputado, que vê o crack como uma epidemia, também criticou a ideologização da discussão, afirmando que precisa-se de uma discussão mais prática. "Não estamos escrevendo nada que não seja baseado na vida real", afirmou sobre o PL.
Comunidades Terapêuticas e verba do SUS
O debate fervia também quando entrava no discurso as verbas públicas do Sistema Único de Saúde (SUS). O deputado Carimbão (PSB), defensor de uma inserção controlada das comunidades terapêuticas no SUS, disse ver a "parceria" como uma resposta do poder público à população. "Milhões estão no crack e na bebida. E, do álcool ao crack, o Governo precisa dar uma resposta. Por isso destinei R$ 5 bilhões para os CAPs e o mesmo valor para unidades de acolhimento de comunidades [terapêuticas]".
Maria Conceição Costa, do Conselho Regional de Psicologia, afirmou ter visitado - com uma comitiva - comunidades terapêuticas em Pernambuco e no Brasil, mas não encontrou uma sequer com estrutura para atender os pacientes. "O sistema de São Paulo não serve. O do Rio não serve. Esse modelo priva o interno de contato com familiares. É uma prisão. E não apoiamos a transferência de dinheiro público para essas comunidades. O dinheiro público deve ir para a saúde pública", defendeu.
O deputado federal Pedro Eurico (PSB-PE), em pregação na Câmara, afirmou que defende as comunidades terapêuticas e também os Direitos Humanos. Mas, claro, com o porém. "Quando o cidadão rouba a própria casa, come lixo, ele já não tem mais discernimento. Muitas destas pessoas não têm família, não tem ninguém por elas. Elas são de responsabilidade do Estado", afirmou, defendendo a internação compulsória e colocando o Conselho de Psiquiatria como "senhores e senhoras com informações atrasadas". "Esta é uma guerra de todos", convocou.
A participação de políticos no evento, no entanto, foi pequena, apesar da importância do tema para a sociedade - como mostrou o número de pessoas que se fizeram presentes na Câmara. Mas foram apenas três deputados estaduais - dois convidados de outros estados e apenas um pernambucano, o Pastor Eurico, do PSB -; o deputado estadual pastor Cleiton Collins (PSC); e os vereadores Luiz Eustáquio (PT), Eurico Freire (PV), Jayme Asfora (PMDB), Michele Collins (PP) e Isabella de Roldão (PDT). O petista Jurandir Liberal (PT) deu uma passada de poucos minutos pela Câmara.
Fonte - Blog do Jamildo
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