O hidrogênio verde começa a se mostrar para o setor sucroenergético com um potencial de negócios muito maior do que o esperado inicialmente. Shell, Raízen, Toyota, Senai e Hytron se uniram, num projeto-piloto conduzido pela Universidade de São Paulo (USP), para testar o H2V produzido a partir de etanol no Mirai, carro híbrido desenvolvido pela Toyota. O experimento anima as indústrias do setor no Nordeste.
Se você ainda não conhece, vale a se atualizar sobre o Mirai e por que desperta o interesse da indústria bioenergética. O sedan é o primeiro carro de série a hidrogênio do mundo. Combina motor elétrico e célula-combustível. Foi lançado oficialmente em 2019, no Japão, embora já circulasse nos salões internacionais da indústria automobilística desde 2014.
Os primeiros testes com o H2V de etanol só começam a ser realizados no modelo em 2024, quando a usina piloto do projeto da USP entra em operação. Mas os empresários do segmento em Pernambuco e na Paraíba já estão de olho nesse combustível que pode movimentar bilhões no mercado interno e exportações e elevar a cadeia da cana-de-açúcar no Brasil para um outro patamar de internacionalização e integração à descarbonização da economia.
Hidrogênio verde é aposta do setor em Pernambuco como alternativa para eletrificação
Presidente da Associação de Produtores de Açúcar, Etanol e Bioenergia (Novabio) e do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco (Sindaçúcar-PE), Renato Cunha, aposta que o hidrogênio verde é a tendência mais forte para a eletrificação veicular e que isso oferece uma oportunidade única para o setor.
“Ficou famosa em nosso segmento, a metáfora que diz: a molécula de etanol é um cacho de átomos de hidrogênio”, ressalta. Com isso, o líder empresarial, com décadas de atuação na área de bioenergia, deixa claro que o setor, do ponto de vista de matéria-prima, tem tudo para se inserir na cadeia do H2V.
O desafio agora é garantir um processo produtivo 100% limpo em todas as etapas necessárias para quebrar as moléculas do etanol e transformá-la no cobiçado combustível do futuro, seguindo os padrões de homologação internacional que atestam se tratar de H2V – ou seja, produzido com zero emissão.
Além disso, serão necessários investimentos das empresas em tecnologia, equipamentos e logística para o transporte do combustível.
O desafio é grande, mas Renato Cunha acredita que a porta para o futuro – futuro, aliás, é o significado de Mirai, em japonês - está aberta para o setor sucroalcooleiro.
“Entendemos que a fotossíntese caminha para limpar o planeta, notadamente com o protagonismo da cana-de-açúcar e assim da agroenergia, tanto nos veículos 100% elétricos, como nos modelos híbridos flex, por meio do etanol”, afirma.
Usinas locais atentas ao mercado do hidrogênio verde para energia automotiva
Por questões concorrenciais, o presidente do Sindaçúcar não revela a estratégia e os planos da indústria bioenergética pernambucana para o mercado de hidrogênio verde de etanol. “O setor em Pernambuco é sempre atento a novas tecnologias”, desconversa.
“O acompanhamento e a busca por protagonismo estão sempre presentes na prospecção de tecnologias sustentáveis, fundamentais para nosso segmento e para o Brasil como um todo”, acrescenta.
O executivo, apesar da reserva, dá pistas de que a regulamentação é uma das linhas de atuação tanto da Novabio, quanto das industrias locais de açúcar e álcool para viabilizar o mercado de H2V de etanol no país.
“Atuamos junto aos governos e parlamentos, discutindo e procurando incentivar a criação de legislações que reconheçam e promovam tecnologias de produção de energia limpa e o desenvolvimento do marco regulatório é fundamental para essa alternativa energética”, aponta.
Esse marco, aliás, vem sendo cobrado, no Brasil, em diversos setores – empresariais, políticos e na academia – pelo risco de que sua ausência atrase a entrada do país na cadeia global do hidrogênio verde.
Renato Cunha aposta no hidrogênio verde como a alternativa viável para a mobilidade sustentável/Foto: Léo Caldas
H2V de etanol muito além do carro elétrico ou híbrido
Apesar dos estudos sobre H2V de etanol estarem começando por um carro, Renato Cunha vê um potencial muito maior da eletrificação e hibridização por meio de hidrogênio e álcool.
“A tecnologia para a produção ainda se encontra em estágio de desenvolvimento, principalmente no que tange à escala de produção, mas o céu é literalmente o limite”, sustenta.
“Além do transporte veicular, vemos a possibilidade de uso dessa tecnologia em diversas outras aplicações, como maquinário de transporte agrícola, geradores de energia, além do transporte marítimo e aéreo”, analisa.
No caso de Pernambuco, o empresário destaca o Aeroporto Internacional dos Guararapes/Gilberto Freyre como uma plataforma de consumo extremamente atrativa para o H2V de etanol e outras alternativas de bioenergia, considerando a demanda de 320 milhões de litros de combustíveis, a maior entre todos os estados nordestinos.
Avaliando o transporte aéreo em todo o Brasil, essa demanda dá um salto gigantesco. Estimativas iniciais apontam um potencial de 5,5 bilhões de litros de combustível sustentável de aviação no mercado brasileiro. É um volume correspondente a 35% de todo o etanol que o país produz a cada safra.
Líder do setor na Paraíba vai testar o Mirai em São Paulo
Na Paraíba, o presidente do sindicato que reúne a cadeia sucroalcooleira (Sindálcool), Edmundo Barbosa, vai visitar, em breve, como convidado, a fábrica paulista da Toyota onde uma outra unidade do Mirai está sendo testada no Brasil. E, claro, vai pilotar o veículo.
Ele se diz curioso para conhecer o carro, que está rodando com hidrogênio cinza (cujo processo produtivo ainda utiliza, mesmo de forma residual, combustíveis fósseis), já que os testes com H2V de etanol conduzidos pela USP usando a outra unidade disponível no país só começam no ano que vem.
Edmundo Barbosa destaca que a Paraíba produz atualmente 480 milhões de litros etanol, o equivalente a 64 milhões de quilos de hidrogênio. “É uma produção que tem tudo para crescer com o impulso da mobilidade sustentável. Acreditamos que esse futuro está cada vez mais próximo e políticas públicas com essa finalidade estão sendo discutidas, em nosso estado, pelo setor privado e governos”, frisa.
Sobre os impactos econômicos e sociais que a integração da cadeia sucroenergética ao H2V pode trazer para o Nordeste, Edmundo destaca a perenidade e reposicionamento da indústria do açúcar e álcool na região, além de outros efeitos.
“A região produz 9% de todo o etanol do país e, com a associação entre etanol e H2V, haverá agregação de valor, aumento da renda per capita, investimentos em adequação de parques industriais, geração de empregos para mão-de-obra altamente qualificada e sobretudo um salto na inovação”, conclui.
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Por Fernando Italo - Folha de Pernambuco
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