Escolhido para acalmar os ânimos no Ministério da Educação após as confusões de Abraham Weintraub, o pastor Milton Ribeiro completa um ano no cargo no próximo sábado (10) com uma gestão marcada por polêmicas, ineficiência e reforço em questões ideológicas.
A administração do terceiro ministro da Educação de Jair Bolsonaro acumula erros em transferências de recursos e até suspeita de atuar a favor de um grupo educacional religioso. O período ainda é marcado por redução de orçamento e pela ausência de medidas para enfrentar os reflexos da pandemia na educação básica.
Ribeiro assumiu o cargo com as escolas fechadas havia cerca de três meses por causa da pandemia. Secretários e especialistas cobram desde o ano passado por uma coordenação federal para garantir, entre outras coisas, conectividade para alunos e plataformas educacionais.
O Congresso precisou derrubar o veto de Bolsonaro a uma lei aprovada que prevê a garantia de internet para estudantes. A única iniciativa efetiva do MEC na educação básica foi o incremento, a partir de outubro, de cerca de R$ 600 milhões no programa que envia dinheiro para as escolas.
No entanto, os gastos totais com esse programa, chamado Dinheiro Direto na Escola, em 2020 (de R$ 1,7 bilhão) são os menores ao menos desde 2015, na comparação com valores atualizados. Só ficam acima dos de 2019, primeiro ano da gestão Bolsonaro.
A pasta fechou o ano passado com recordes negativos de execução orçamentária na educação básica. Os gastos em educação representaram no ano passado 5,2% das despesas totais do governo; esse percentual já foi de 6,5% em 2016.
Questionado, o ministério não respondeu.
O ministro já disse em entrevistas que não cabe ao MEC apoiar estados e municípios e que o sistema educacional já vivia dificuldades e desigualdades antes da pandemia, eximindo o governo Bolsonaro de responsabilidade pela situação atual.
Em audiência no Senado na quinta-feira (1), voltou a defender a volta das aulas presenciais, mas admitiu que o MEC nem sequer tem um mapeamento de quantos alunos já voltaram.
O pesquisador da FGV João Marcelo Borges ressalta que Ribeiro não fez movimentos para batalhar por orçamento, não deu nenhuma solução educacional na pandemia e até projetos como o de alfabetização, lançados como prioridade do governo, andam a passos lentos.
"Ele não conseguiu, não quis ou não recebeu a demanda de coordenar a política nacional de enfrentamento à pandemia e construiu as condições de ser um tipo de ministro que o Bolsonaro quer: que defende suas bandeiras sem precisar entregar soluções, já que a educação não está na agenda de Bolsonaro", diz.
Sem uma política definida, também no campo da gestão houve falhas sob seu comando. A Folha revelou erros da ordem de R$ 766 milhões em transferências do principal mecanismo de financiamento da educação básica, o Fundeb. Em abril, mais um equívoco deixou matrículas de fora no cálculo da divisão dos recursos do fundo.
Nos primeiros meses no cargo, Ribeiro passou a ser apontado nos bastidores como decorativo, por não se inteirar das rotinas da pasta e dar preferência a agendas e viagens com o presidente. Com o passar dos meses, reforçou iniciativas ideológicas para se estabelecer no cargo.
A única agenda legislativa prioritária da educação neste ano é exemplo disso: a liberação do ensino domiciliar. Trata-se de uma pauta histórica de grupos conservadores e religiosos.
Dentro da pasta, Ribeiro tem mobilizado sua equipe para tarefas com esse caráter. O MEC chegou a mandar um ofício às universidades federais para tentar barrar manifestações políticas. Após repercussão negativa, teve de recuar e cancelou o ato.
O ministro afirmou que iria olhar pessoalmente a prova do Enem para evitar questões que julgasse impertinentes. Recuou diante de críticas, mas determinou a criação de uma espécie de tribunal ideológico para fazer um pente-fino nos itens, como a Folha revelou. Com reações fortes, a publicação da portaria perdeu o ritmo de urgência dentro do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).
Em outra ação de fundo ideológico, sua equipe barrou um artigo em uma publicação do Inep porque o texto trazia evidências de efeitos positivos de uma política de alfabetização do governo do PT.
Em maio, a Folha de S.Paulo revelou que o ministro atuou a favor de um centro universitário privado suspeito de fraude no Enade (avaliação do ensino superior). A Unifil, de Londrina (PR), é presbiteriana, assim como o ministro.
Ribeiro protelou o envio do caso à Polícia Federal, recebeu os controladores da instituição, viajou duas vezes a Londrina e determinou que seu próprio secretário acompanhasse visita de supervisão -que absolveu a instituição.
Leia também
Ele ainda teria ameaçado de demissão quem no Inep levasse o caso à esfera criminal. O MEC negou haver irregularidades. Com o argumento de falta de dinheiro, a equipe de Ribeiro já havia decidido adiar a realização deste ano do Saeb, a avaliação da educação básica, e do próprio Enem. Mas o ministro mudou de opinião também após repercussão negativa.
Nesse vaivém, a implementação do chamado Enem seriado e a expansão do Saeb para todas as séries foram abandonados. As ações haviam sido anunciadas pelo próprio governo, na gestão de Weintraub. Demitido da presidência do Inep em fevereiro, Alexandre Lopes diz que elas haviam sido pensadas em diálogo com secretários de Educação e também com o MEC.
"As avaliações ajudariam nesse processo de identificar evasão e buscar informações", diz. "Educação é processo que dá trabalho e custa dinheiro. O importante é como melhorar a aplicação dos recursos e nunca diminuir." Mesmo sem apresentar resultados, Ribeiro mantém-se no cargo com a confiança do presidente.
"O Brasil está se permitindo ter um ministro como Milton Ribeiro, cujo melhor resultado pontual e temporário foi ser reconhecido como menos pior que o Weintraub", completa João Marcelo Borges.
Por Paulo Saldaña - Folhapress
Nenhum comentário:
Postar um comentário