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sábado, 26 de junho de 2021

DANOS MORAIS - JUSTIÇA FEDERAKL CONDENA GOVERNO BOLSONARO A PAGAR R$ 5 MILHÕES POR FALAS CONTRA MULHERES


A 6ª Vara Cível Federal de São Paulo ordenou que a União Federal pague R$ 5 milhões de reais para reparar danos morais contra as mulheres causados por falas do presidente Jair Bolsonaro e membros do seu governo. A decisão foi tomada na última quarta-feira (23) e cabe recurso.

De acordo com a sentença, outros R$ 10 milhões devem ser destinados para campanhas publicitárias com o objetivo de conscientizar sobre situações de violência e desigualdade experimentadas pelas mulheres. Além disso, a quantia também será usada para divulgar direitos das vítimas femininas de violência e políticas públicas implementadas para alcançar a igualdade de gênero.

O processo trata-se de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF), que apontou mensagens, discursos e pronunciamentos de agentes públicos do governo com caráter discriminatório e preconceituoso em relação às mulheres. As falas prejudicariam a sociedade brasileira e causariam danos morais de dimensões coletivas.

Em sua defesa, a União Federal argumentou que as “declarações combatidas consistiram em manifestações pessoais das autoridades públicas, não representando ato executivo estatal” e também que “os fatos contidos na narrativa inicial teriam sido tirados de seu contexto originário, sem individuação e efetiva comprovação de ocorrência do dano coletivo”. Ainda foi mencionado a “adoção de medidas pela União no combate à violência, ao preconceito e à discriminação contra as mulheres nos últimos anos”.

Afirmações mencionadas no processo

Declarações do presidente Jair Bolsonaro

Declaração a jornalistas em abril de 2019: “O Brasil não pode ser o paraíso do turismo gay. Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade. Agora, não pode ficar conhecido como paraíso do mundo gay aqui dentro.”

Declaração a jornalistas em julho de 2019: “Daí eu convidei (...) pra voar aqui e na Europa. Se tiver um hectare de floresta (devastada), vocês têm razão. Essa é a grande realidade. O Brasil é uma virgem que todo tarado de fora quer. Desculpem aqui as mulheres aqui tá?”

Resposta para repórter em julho de 2019: “Pelo amor de Deus, né? Se eu te chamar de feia agora, acabou o mundo. Todas as mulheres vão estar contra mim.”

Pronunciamento público em fevereiro de 2020: “O depoimento do River (...) Hans River, foi no final de 2018 para o Ministério Público, ele diz o assédio da jornalista em cima dele. Ela queria um furo. Ela queria dar o furo! a qualquer preço contra mim (...).”

Durante transmissão de vídeo realizada em janeiro de 2020, Jair Bolsonaro disse que não iria citar nomes, mas que existe “uma deputada fofucha de São Paulo e outro deputado também meio japonesinho” que o estão criticando nas redes sociais. "Se estivessem fazendo coisas boas a primeira estaria mais magra e o segundo estaria menos pitoco de sem vergonha... Eu acho que mentir engorda, mentir engorda”, afirmou.

Declaração do ministro Paulo Guedes

Palestra realizada em setembro de 2019: “Eu estou vendo progresso em várias frentes, mas a preocupação é: xingaram a Bachelet, xingaram a mulher do Macron, chamaram a mulher de feia. ‘Ah, o Macron falou que estão botando fogo na floresta brasileira, o presidente devolveu. Falou que a mulher dele é feia’. Tudo bem, é divertido. Não tem problema nenhum, é tudo verdade, o presidente falou mesmo. E é verdade mesmo, a mulher é feia mesmo.”

Declarações da ministra Damares Alves

Audiência da Comissão de Defesa dos Direitos e da Mulher na Câmara dos Deputados em abril de 2019: “A mulher deve ser submissa. Dentro da doutrina cristã, sim. Dentro da doutrina cristã, lá dentro da igreja, nós entendemos que um casamento entre homem e mulher, o homem é o líder do casamento. Então essa é uma percepção lá dentro da minha igreja, dentro da minha fé. […] Que deputada linda. Só o fato de você estar no parlamento. Não precisava nem abrir a boca. Só o fato de você estar aqui, já diz pra jovens lá fora, elas também podem chegar aqui.”

Pronunciamento sobre índices de estupro na Ilha de Marajó (PA) em julho de 2019: ““Por que os pais exploram? É por causa da fome? Vamos levar empreendimentos para a ilha do Marajó, vamos atender as necessidades daquele povo. Uns especialistas chegaram a falar para nós aqui no gabinete que as meninas lá são exploradas porque não têm calcinha. Não usam calcinha, são muito pobres. E perguntaram ‘por que o ministério não faz uma campanha para levar calcinhas para lá?’. Nós conseguimos um monte. Mas por que levar calcinha? Essa calcinha vai acabar. Nós temos que levar uma fábrica de calcinhas para a ilha do Marajó, gerar emprego lá, e as calcinhas saírem baratinhas para as meninas.”

Decisão

A decisão da juíza Ana Lúcia Petri sustentou que “as declarações atribuídas a tais agentes, ocupantes de cargos de elevada hierarquia do Poder Executivo e do Poder Legislativo, não podem ser reduzidas ao patamar de meras opiniões pessoais ou expressão da individualidade dos emissores”.

Além disso, a liberdade de expressão possui alguns limites como “vedação ao anonimato, do direito de resposta, da proteção à imagem, à honra, à intimidade e à privacidade”.

Foi notado que as falas possuem características em comuns, dentre as quais “terem sido veiculadas durante o exercício das funções públicas, embora não constituíssem motivação ou fundamento para atos típicos dos cargos ocupados” e “serem veiculadas sem controle de seu conteúdo e até mesmo com deliberada ênfase nos excertos ofensivos, denunciando a clara intencionalidade dos emissores”.

“É notório que os emissores não se pronunciaram na condição de cidadãos, valendo-se, isso sim, da função pública ocupada, dos contextos em que se encontravam e, particularmente no caso dos pronunciamentos do Senhor Presidente da República, da ênfase em expressões inadequadas e polêmicas, em evidente expectativa de proveito político da repercussão deflagrada”, afirmou a juíza.

Ela ressaltou que as expressões são ainda mais graves no contexto social em que as mulheres brasileiras estão inseridas. “Constatado o inequívoco prejuízo à dignidade das mulheres coletivamente consideradas exsurge o dever reparatório, tanto por meio de obrigações de fazer, como por indenização pelo dano moral coletivo”, concluiu.

Por Jonatas Martins - Correio Braziliense

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