Não há mais como negociar: ou os países cumprem as metas de redução de gases de efeito estufa, ou sofrerão, mais rápido do que imaginam, as consequências catastróficas do aquecimento global. Essa é a principal mensagem do relatório síntese do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), organismo da ONU formado por cientistas de todo o mundo. O documento, apresentado ontem, destaca que, no ponto em que o planeta chegou, não se trata mais de uma crise climática, mas humanitária.
Síntese do trabalho do IPCC dos últimos oito anos e derradeiro documento lançado pelo painel científico até 2030, o documento destaca que, sem reduzir os níveis de aquecimento abaixo de 2ºC e, preferencialmente, até 1ºC com base nas medições da era pré-industrial, os estragos não terão volta. Muitos dos danos provocados aos ecossistemas terrestres e aquáticos se aproximam do ponto de inflexão, quando a catástrofe é irreversível. "Esse relatório é um apelo para acelerar massivamente os esforços climáticos de todos os países e setores e em todos os prazos. Nosso mundo precisa de ação climática em todas as frentes: tudo, em todos os lugares, ao mesmo tempo", disse o secretário-geral da ONU, António Guterres, em uma mensagem de vídeo.
Diferentemente dos documentos anteriores, a síntese, assinada por 93 cientistas, não traz dados propriamente novos, porque é uma revisão de quase uma década de produção científica do IPCC (veja quadro). O documento fornece uma visão geral dos relatórios produzidos pelos três grupos de trabalho: bases da ciência física; impactos, adaptação e vulnerabilidade; e mitigação da mudança climática. Além disso, três avaliações especiais divulgadas durante esse ciclo, incluindo uma sobre os oceanos, foram consideradas. Ao combinar todas essas informações, a conclusão é a de que resta muito pouco tempo para evitar que a Terra se torne inabitável em um futuro não tão distante.
"A primeira mensagem é que temos muitas evidências, cada vez crescentes, de que a mudança climática está realmente afetando negativamente a nossa sociedade e o funcionamento dos nossos ecossistemas hoje", avalia Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Programa Mudanças Climáticas da Fundação de Amparo à Pesquisa da Universidade de São Paulo (Fapesp). "O ritmo e a escala do que foi feito até agora e os planos atuais para enfrentar as alterações climáticas são insuficientes", acredita Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB), presidente da Capes e revisora do relatório síntese do IPCC.
Segundo a pesquisadora, o relatório mostra que há evidências de ações. Porém, embora as emissões tenham desacelerado, ainda não estão em rota descendente. "Continuamos mal preparados para as ameaças que já enfrentamos e que vamos enfrentar no futuro", diz. Paulo Artaxo e Mercedes Bustamante participaram, ontem, de uma coletiva de imprensa sobre os desafios brasileiros frente aos resultados apresentados pelo IPCC.
Indicações
O relatório também indica que é possível evitar o colapso. Em uma entrevista on-line organizada pela ONU, Hoesung Lee, presidente do IPCC, disse que depende da humanidade garantir um futuro menos catastrófico. "O relatório mostra claramente que a humanidade tem o conhecimento e a tecnologia para enfrentar as mudanças climáticas induzidas pelo homem. Mas não só isso. Eles mostram que temos capacidade de construir uma sociedade muito mais próspera, inclusiva e equitativa nesse processo."
Segundo Simon Stiell, secretário executivo da Conveção-Quadro das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, a década atual é crítica. "As emissões globais precisam ser reduzidas em quase 43% até 2030 para que o mundo alcance a meta do acordo de Paris. O relatório de síntese destaca o quanto estamos fora do caminho." Porém, não é tarde demais, acrescenta. "O IPCC demonstra claramente que é possível limitar o aquecimento global a 1,5°C com reduções rápidas e profundas de emissões em todos os setores da economia global. Ele nos deu muitas opções de mitigação e adaptação viáveis, eficazes e de baixo custo para expandir em vários setores e países."
Os desafios são imensos, destaca Robert Bellany, professor de clima e sociedade na Universidade de Manchester, no Reino Unido. "O relatório síntese do IPCC deixa claro que retirar o dióxido de carbono do ar não é apenas uma opção, mas uma necessidade", ressalta o pesquisador, que não faz parte do painel intergovernamental. "Mas os métodos de remoção de carbono, como reflorestamento e bioenergia com captura e armazenamento de carbono, também trazem riscos significativos para as pessoas e o meio ambiente. Agora, precisamos de uma ampla conversa social sobre quais métodos adotar, como incentivá-los e, finalmente, como governá-los. Não se engane, precisamos fazer a remoção de carbono, mas precisamos fazer isso com responsabilidade."
Por Paloma Oliveto - Correio Braziliense
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