ARARIPINA

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PMA

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

PORTO PRÍNCIPE - DEVASTAÇÃO E DESESPERO


PORTO PRÍNCIPE – “Nós estamos desesperados, o trabalho não é profissional. Se ao menos nos dessem a sensação de que estão fazendo algo”: a fala não é de um haitiano, mas da espanhola Nives Alvarez. Funcionária do Unicef, ela é casada com o belga Philippe Dewez, que ontem à tarde continuava desaparecido em meio aos escombros do quartel-general da Minustah (a missão de paz da ONU no Haiti), localizado em Pétionville, a zona mais nobre da cidade.

Muito nervosa, Nives disse que os serviços de resgate estão atrasados e descoordenados para a busca de cerca de 70 pessoas que estariam no prédio desabado. “As pessoas sobrevivem por três dias, e já estamos no segundo. É frustrante saber que tem gente dentro e nada acontece.”

A funcionária do Unicef afirmou que uma equipe americana havia estado ali pela manhã, mas deixou o local após resgatar um cidadão desse país. “Agora, vieram os chineses de Taiwan. Por que as duas equipes não trabalham juntas?”, questionou. Além dos chineses, a remoção dos escombros era feita por militares brasileiros, com a ajuda de uma escavadeira.

O ministro da Defesa do Brasil, Nelson Jobim, afirmou ao presidente haitiano, René Préval, que a ação do governo, neste momento, precisa ser acelerada para que este estado de choque não se transforme em raiva, o que só faria piorar um situação já dramática.

“Nossa prioridade é evitar que os mortos virem focos de doenças, que os ainda vivos possam ser resgatados e que a normalidade volte o mais rapidamente possível para o país”, disse o ministro..

A destruição dos três hospitais da capital transformou as ruas de Porto Príncipe e até a Base Militar brasileira General Bacellar – onde está concentrada a maior parte do efetivo militar brasileiro no Haiti, de 1.266 soldados – numa UTI a céu aberto. Nem a garagem da base brasileira escapou de virar um imenso posto de saúde para cerca de 70 haitianos com fraturas e traumatismos variados. Uma enorme quantidade de moradores da capital se amontoa nos portões diariamente, desde terça-feira, implorando pelo atendimento médico que o governo haitiano não consegue dar.

Na fronteira entre o Haiti e a República Dominicana, uma multidão de haitianos desesperados se esforçava para sair do país para tentar recomeçar a vida em um país com mais oportunidades e menos marcado pelas tragédias. Duas mil pessoas gravemente feridas cruzaram a fronteira até Jimaní, no país vizinho, para serem atendidas nos hospitais locais.

ESFORÇO GLOBAL PARA ALIVIAR A DOR

Equipes de resgate, cães farejadores e suprimentos seguiram para o Haiti ontem. Vários países e entidades se mobilizaram, em uma resposta global ao violento terremoto. Reaberto, o aeroporto permitia que o auxílio chegasse não apenas pelo mar, mas também pela via aérea. Mais tarde, diante do congestionamento no espaço aéreo, os pousos foram proibidos.

Países como os Estados Unidos e organizações como o Banco Mundial (Bird) anunciaram logo cedo os montantes que doariam – coincidentemente US$ 100 milhões. Mas, diante da sugestão que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ao seu colega Barack Obama, anteontem, para que Brasil, EUA e Organização das Nações Unidas (ONU) convocassem uma reunião de países doadores com o objetivo de arrecadar recursos para o Haiti, o americano anunciou hoje a criação do Fundo de Reconstrução do Haiti.

O Bird informou que vai reunir uma outra quantia – de valor ainda não definido – que servirá como capital inicial para a empreitada. Ela serviria como uma espécie de padrão ou referência para as doações dos países. “Por enquanto ainda não dá para calcular esse valor, pois é muito cedo para se ter uma ideia sólida das necessidades do Haiti. O importante, no momento, é acudir o governo local ajudando a minimizar a tragédia e também facilitando o trabalho de coordenação da ajuda humanitária”, disse Yvonne Tsikata, diretora do Bird para o Caribe.

Obama ordenou uma rápida operação civil e militar. Outros governos e entidades humanitárias anunciaram envio de fundos emergenciais, além de campanhas de arrecadação pela internet.

O ex-presidente dos EUA Bill Clinton, enviado especial da ONU, lançou campanha para juntar fundos. O ator americano George Clooney será anfitrião hoje de um programa na MTV destinado a arrecadar dinheiro, prevendo convocar inúmeros astros de Hollywood.

O Programa Alimentar Mundial da ONU indiciou que fornecerá em breve 15 mil toneladas de comida. Enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) enviou especialistas para ajudar a lidar com os vários mortos e seus corpos.

O Canadá cedeu dois navios, helicópteros e aviões com suprimentos, além de uma equipe de resgate. Na Europa, a Comissão Europeia liberou 3 milhões (US$ 4,4 milhões) em assistência emergencial.

QUEIXA

O governo brasileiro ficou insatisfeito com as doações de países como o Canadá, e parte da União Europeia. Integrantes do Ministério das Relações Exteriores afirmaram, nos bastidores, que a percepção do governo brasileiro é que as doações de alguns países estão um pouco acanhadas diante da necessidade dos haitianos.

BRASIL MONTA INFRAESTRUTURA PARA AJUDAR HAITI

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, anunciou ontem, antes de retornar, que o governo brasileiro vai ajudar na remoção dos milhares de corpos espalhados em Porto Príncipe. Jobim se reuniu com o presidente René Préval e pediu que ele indicasse um local para colocar os corpos. O receio é que passadas 48 horas do terremoto, a cidade passe a sofrer com uma epidemia.

O Brasil providenciará bênçãos cristãs, luteranas e vodu – religião popular no Haiti. Os corpos só serão tocados por haitianos. A restrição tem o objetivo de respeitar a tradição local.

Hoje começa a ser montado um hospital de campanha com capacidade de atendimento diário de 400 pacientes e 20 leitos para pacientes mais graves em região próxima ao local da base militar brasileira. Caso haja grande procura com casos graves, o Brasil vai transferir os doentes para hospitais na República Dominicana.

O País também vai ajudar na remoção dos destroços que, em alguns casos, inviabilizam a circulação por parte da cidade. A construtora OAS, operando no país, vai ceder maquinário pesado.

O governo negocia ainda a dispensa de passaporte para os que vierem ajudar na prestação de socorros ao Haiti.

Um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) decolou ontem da Base do Galeão, na Ilha do Governador (RJ), levando 30 bombeiros voluntários para Porto Príncipe

Metade da equipe de militares, especialista em busca e salvamento, estava participando do resgate às vítimas dos deslizamento em Angra dos Reis.

O Boeing que levou o grupo decolou às 11h20 (do Recife) e fez escala em Brasília, onde embarcaram mais 25 bombeiros. Somente do Rio foram enviadas cerca de 8,5 toneladas de alimentos, água, remédios e equipamentos que serão usados pelos militares.

O efetivo que embarcou em Brasília é do 1º Batalhão de Busca e Salvamento do Distrito Federal. O grupo é especializado em salvamentos em “estruturas colapsadas”.

Alguns fizeram treinamentos em situações semelhantes à que encontrarão, como os terremotos que atingiram a Cidade do México. Eles ficaram 15 dias no Haiti.

CORPO DE ZILDA CHEGA HOJE

CURITIBA – Dezenas de caravanas de todo o País são esperadas para o velório da médica sanitarista e fundadora da Pastoral da Criança, Zilda Arns Neumann, 75, marcado para amanhã em Curitiba, no Palácio das Araucárias, sede do governo do Paraná. Segundo familiares, o corpo de Zilda deve chegar a Brasília durante a madrugada de hoje, trazido por uma aeronave da Força Aérea Brasileira. De lá, ele seguiria para Curitiba, com previsão de chegar à cidade por volta das 10h, seguindo do aeroporto para o Palácio das Araucárias. O presidente Lula deve ir ao velório.

Zilda morreu na terça-feira, vítima do terremoto que atingiu o Haiti. A médica viajou para participar de conferência religiosa e compartilhar a experiência da pastoral, que planejava implantar naquele país.

A Pastoral da Criança espera caravanas formadas por líderes da instituição que irão prestar a última homenagem à médica. Zilda morava em Curitiba desde a infância, cidade onde fica a sede nacional da entidade.

Ontem, o senador Flávio Arns (PSDB), sobrinho de Zilda que foi ao Haiti para buscar o corpo da tia, relatou à Pastoral da Criança o momento da morte da médica sanitarista. Segundo nota divulgada pela instituição, ela estava em uma igreja, onde havia acabado de fazer uma palestra sobre o trabalho da Pastoral da Criança para cerca de 150 pessoas.

“Ela estava conversando com um sacerdote. De repente, começou o tremor. O padre que estava conversando com ela deu um passo para o lado, e a doutora Zilda recuou um passo e foi atingida diretamente na cabeça, quando o teto desabou. Ela morreu na hora”, disse o senador, segundo a nota.

De acordo com as informações atribuídas ao senador, Zilda não foi soterrada: o único ferimento em seu corpo era o da cabeça. O sacerdote que conversava com ela sobreviveu. Os outros 15 que estavam próximos morreram, diz a nota.

Zilda deve ser enterrada na tarde de amanhã no Cemitério Água Verde, em Curitiba, onde estão sepultados seu marido e de dois de seus filhos. A cerimônia acontecerá após a celebração, também no Palácio das Araucárias, de uma missa, marcada para as 14h.

A Pastoral da Criança pediu ontem que, em vez de coroas de flores, quem quiser homenagear a médica faça uma doação para a instituição.

MISSA

Cerca de 8 mil pessoas participaram ontem de manhã, em Aparecida, no Vale do Paraíba (SP), da missa em memória de Zilda Arns e dos 14 militares brasileiros mortos no terremoto. A celebração ocorreu no Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, com a citação dos nomes de todos os militares falecidos, e também de Zilda.

Durante a missa, presidida pelo Missionário Redentorista Agostinho Frasson, três agentes de segurança do Santuário levaram até o Altar Central as bandeiras do Brasil e do Haiti, além de uma grande vela. Foi feito um minuto de silêncio e executada a marcha fúnebre, enquanto as bandeiras eram colocadas no altar.

NÚMERO DE MILITARES MORTOS CHEGA A 14

BRASÍLIA – Subiu para 14 o número de militares brasileiros mortos no Haiti, depois de um terremoto de 7 graus na escala Richter que devastou a cidade de Porto Príncipe na terça-feira. Quatro militares ainda estão desaparecidos e outros 14 ficaram feridos. Os corpos de mais três integrantes da força de paz das Nações Unidas, todos do 5º Batalhão de Infantaria Leve, sediado em Lorena-SP, foram encontrados entre os escombros: o segundo-sargento Leonardo de Castro Carvalho, o terceiro-sargento Rodrigo de Souza Lima e o soldado Felipe Gonçalves Julio.

Além disso, encontram-se desaparecidos quatro militares que estavam no Quartel da Minustah (Hotel Cristopher). São eles: o coronel João Eliseu Souza Zanin, o tenente- coronel Marcus Vinicius Macedo Cysneiros, o major Francisco Adolfo Vianna Martins Filho e o major Márcio Guimarães Martins.

Segundo o Comando do Exército, há 12 feridos que serão repatriados para o Brasil e dois outros militares foram levados para a República Dominicana.

O Núcleo de Assistência a Brasileiros (NAB) do Itamaraty recebeu mais de 500 pedidos de informações e solicitações relacionadas aos cidadãos que estavam no Haiti no momento do terremoto da terça-feira. O núcleo envolve uma equipe reforçada, com 15 pessoas, que se revezam em turnos. Nos próximos meses, essa estrutura deverá ser transformada em um call-center permanente.

O NAB pode ser contatado pelos telefones (61) 3411-8803/ 8805/ 8808/ 8817/ 9718, entre as 8h e as 20h (horário de Brasília). Depois desse horário, o telefone disponível é o (61) 8197-2284.

SOLIDARIEDADE PERNAMBUCANA AOS HAITIANOS

O Recife se mobilizou para ajudar o povo do Haiti. Entidades governamentais e da sociedade civil reuniram-se na manhã de ontem, na sede do Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe), e criaram um esquema para que a população pudesse doar comida, água e roupas para as vítimas do terremoto que assolou o país.

A partir da manhã de hoje, segundo o Comitê de Solidariedade ao Haiti, as doações já podem ser feitas em vários postos espalhados pela cidade, localizados na sede de entidades civis, órgãos públicos e até em barracas do Exército instaladas na rua. Em um dos postos, o Quartel da Polícia Militar do Derby, é possível entregar os mantimentos 24 horas por dia (leia quadro com todos os locais e horários).

“Nossa intensão é oferecer à população a logística para se solidarizar com os irmãos do Haiti”, afirmou o presidente do Cremepe, André Longo, que idealizou a iniciativa. De acordo com ele, serão recebidas doações de alimentos não perecíveis, água mineral (galões de cinco litros) e roupas.

Igreja Católica, Forças Aérea Brasileira (FAB), Polícia Militar, Prefeitura do Recife, Ordem dos Advogados do Brasil, entre outros órgãos, fazem parte do comitê criado de última hora para atuar nos próximos 15 dias. Representantes das entidades montaram o esquema na frente dos jornalistas, cada um oferecendo o que podia: transporte, espaço para armazenamento, verba para o projeto ou divulgação. Novos meios de ajudar os afetados pela catástrofe devem ser disponibilizados nos próximos dias.

O nome da campanha é Ajude o Haiti e o porta-voz escolhido é o arcebispo de Olinda e Recife, dom Fernando Saburido. “A população está acompanhando pela televisão o desafio do Haiti. É um dos países mais pobres do mundo. O seu povo está nas ruas, sem ter para onde ir, sem ter o que comer. Temos de ter solidariedade nessa hora, independente da fé de cada um”, disse Dom Fernando, que também lamentou a perda da amiga Zilda Arns na tragédia. “A ela, que dedicou sua vida aos pobres, Deus deu a graça de morrer junto deles. É uma semente que vai motivar e construir.”

O transporte dos mantimentos arrecadados para o Haiti será feita por meio de aviões da FAB. De acordo com o major Sérgio Peres, do setor de logística do Exército, também serão disponibilizados caminhões para recolher as doações nos postos. Ele afirmou que, como muitos militares pernambucanos voltaram no ano passado do Haiti, há grande sentimento de solidariedade entre eles. “Entre o pessoal que participou da força de paz, a percepção é que o país havia melhorado bastante nos últimos tempos, estava iniciando desenvolvimento, estavam sendo construídas estradas. Na hora que começou a melhorar, aconteceu essa tragédia”, disse.

FONTE-JC

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