Nos tempos das cavernas, os seres humanos seguiam um padrão de sono bifásico — um hábito de dormir em duas etapas separadas por um período de vigília. Inicialmente, quando escurecia, acendiam fogo para dormir protegidos do frio e das ameaças ao redor. Quando o fogo se apagava, era reavivado por alguém cujo sono fosse interrompido.
Mais tarde na história, na Roma antiga, o dia era dividido em 12 horas. A sexta hora era o momento do dia em que o sol batia mais forte e, para evitar o cansaço excessivo após o almoço, os romanos aproveitavam esse intervalo para tirar uma soneca. A atividade evoluiu para um hábito que se tornou essencial em certas culturas, a sesta.
Atualmente, sabe-se que os espanhóis desfrutam de uma soneca diária. Nas cidades do interior da Argentina, há uma pausa durante o dia para esse breve descanso e nas empresas de origem japonesa, há um período designado para o "hirune" (soneca da tarde), em que os funcionários dormem após o almoço.
Esses são apenas alguns exemplos de como diversas sociedades ao redor do mundo adotaram — à sua maneira — esse hábito, que persiste há séculos devido aos benefícios que proporciona.
Empresas renomadas de tecnologia e instituições acadêmicas observaram como, nas últimas décadas, os profissionais da ciência e da medicina promovem a inclusão de sonecas nos ambientes de trabalho e educação para melhorar o desempenho e a qualidade de vida dos que frequentam esseslocais.
Assim, começaram a criar espaços especialmente projetados em seus prédios para que aqueles que desejassem pudessem descansar durante o dia.
Tradição ou necessidade?
Pablo Ferrero, diretor do Instituto Ferrero de Neurologia e Sono, também conhecido como Doutor Sono, afirma que esse tipo de descanso curto é uma necessidade biológica. Segundo ele, historicamente, isso surgiu como resultado da incompatibilidade de realizar atividades cotidianas em locais com altas temperaturas.
— Se alguém quisesse sair para caçar, cultivar ou colher, isso era quase impossível com o sol do meio-dia — explica.
Com isso, as pessoas interrompiam suas atividades e buscavam intuitivamente a sombra não apenas para esfriar o corpo, mas também para regular o sistema cardíaco e retomar as atividades depois.
Daniel Pérez Chada, diretor da Clínica do Sono do Hospital Universitário Austral (HUA) e professor adjunto de medicina na mesma instituição, explica que, enquanto você dorme, sua pressão arterial cai e sua frequência cardíaca diminui.
— Está mais do que comprovado que as sonecas curtas são benéficas para a saúde em geral — afirma.
Um grupo de pesquisadores suíços, em um estudo publicado no British Heart Journal, descobriu que tirar uma soneca pelo menos uma ou duas vezes por semana reduzia o risco de ataque cardíaco nos participantes observados. No final do estudo, os pesquisadores concluíram que esse tipo de descanso auxilia no fortalecimento do sistema imunológico e do cardiovascular.
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Quando os computadores Mac entram modo de repouso, a função "power nap" é ativada, atualizando as informações de todas as atividades recentes. Uma função semelhante ocorre nos seres humanos.
De acordo com Arturo Garay, chefe da Unidade de Medicina do Sono da Cemic, a "power nap" — ou soneca curta — é um termo que surge de estudos que indicam que uma soneca breve de até 30 minutos tem um efeito restaurador no cérebro e melhora o estado de alerta.
Em populações com privação crônica de sono, como as atuais, Garay observa que fazer um breve descanso durante o dia ajuda a reduzir a fadiga, promove estados de relaxamento, diminui os níveis de estresse, melhora o desempenho visuomotor (tempo de reação) e a memória.
Não cair no círculo vicioso
Pesquisadores da Nasa descobriram que tirar cochilos de 30 minutos no espaço teve um efeito restaurador nos astronautas, apesar dos distúrbios endógenos e ambientais do sono que os impedem de descansar adequadamente.
— Todas as células do corpo usam o ATP (adenosina trifosfato), que é a molécula portadora de energia primária para todas as formas de vida. O cérebro percebe que quanto mais adenosina livre há, mais energia foi usada — esclarece Ferrero.
Além disso, ele relata que, quando alguém tira um cochilo, ocorre uma “lavagem cerebral” impulsionada pelo sistema glinfático — a via de limpeza de resíduos do sistema nervoso central — que é responsável pela remoção de todas as impurezas circulantes, inclusive a adenosina.
— Quando você dorme, o sistema glinfático entra em ação, remove a adenosina e a sensação de sono desaparece. No entanto, isso é bom se você dormiu bem durante a noite, porque se você tirar uma soneca durante o dia e entrar em sono profundo, à noite você não terá a quantidade necessária de adenosina para sentir sono — informa Ferrero.
Isso acaba gerando um círculo vicioso em que a pessoa vai para a cama mais tarde, fica mais sonolenta no dia seguinte e, se tirar um cochilo, provavelmente ultrapassará a indicação profissional de 25 minutos.
— Quanto mais curta, melhor. Devemos garantir que a soneca 'lave' um pouco a adenosina livre no cérebro, mas sem induzir a pessoa às fases de sono profundo — aconselha.
Em relação à curta duração, Garay acredita que é essencial explicar o efeito de sonolência ou fadiga que alguns dorminhocos têm ao acordar.
— Mais da metade das pessoas que tiram sonecas curtas apresentam, ao acordar, um estado de sonolência que resulta em dormir mais de 30 minutos e entrar em sono profundo — diz. Um dado significativo revelado é que quando as sonecas são muito prolongadas (de 2 a 4 horas), o risco de patologias, particularmente cardiovasculares, aumenta.
Ele também destaca que quando os cochilos são muito longos, o risco de patologias, principalmente as cardiovasculares, aumenta.
As sonecas a que os profissionais se referem são as pós-almoço, ou seja, aquelas que ocorrem após o horário do almoço. Idealmente, sugere-se que sejam realizadas entre as 13h e as 17h.
Ferrero considera que o melhor momento fisiológico para isso é aquele escolhido pelo corpo. — Depois do almoço, o estômago está cheio de coisas para digerir e durante a digestão ocorre uma ação química que faz com que o cérebro fique ligeiramente letárgico — detalha.
Além disso, Garay recomenda como condições ideais dormir em um lugar com pouco ruído e pouca luz, mas não necessariamente escuro. — Em vez de deitar-se em uma cama, é aconselhável fazê-lo em uma poltrona confortável que não seja associada ao espaço de descanso noturno — acrescenta.
— Idealmente, o ambiente da soneca não deve ser o mesmo que o da noite, pois, caso contrário, pode induzir a uma soneca muito longa. A recomendação é fechar um pouco as cortinas, mas não necessariamente ficar no escuro e que seja em um ambiente calmo, mas não silencioso — adiciona Sol Segura Matos, neurologista infantil e especialista em medicina do sono.
Quanto às recomendações dos profissionais para adormecer rapidamente durante a soneca, um dos conselhos é usar o ruído branco, que é uma técnica de mascaramento de som para bloquear ou reduzir os ruídos indesejados.
Segura Matos explica que, caso haja tentação de prolongar a soneca, é útil definir um alarme acompanhado por um pouco de estímulo sonoro no ambiente.
— Para aqueles que têm ansiedade antecipatória e não conseguem dormir rapidamente, pode ser útil ter uma mini-rotina que pode ser, por exemplo, lavar o rosto, escovar os dentes, fechar as cortinas e/ou tocar uma playlist de ruído branco ou meditação e ver se isso ajuda na indução do sono — sugere.
Técnicas para despertar
Outras recomendações? Evite refeições muito calóricas nas horas anteriores à soneca e também o consumo de cafeína, pois é uma substância que pode interferir no descanso.
Ferrero cita o exemplo de pacientes que empregam técnicas para não usar um alarme ou entrar em estágios de sono profundo. — Alguns deitam com uma chave ou objeto na mão para que, quando os músculos começarem a relaxar e entrarem em sono profundo, o que estiverem segurando caia no chão e esse barulho os acorde — relata.
Garay destaca uma questão essencial: geralmente, aqueles que dormem mal à noite encontram nas sonecas prolongadas um alívio para seus sintomas de insônia ou ansiedade noturna.
— O que eles não sabem é que, a longo prazo, isso dificulta a consolidação do sono noturno, motivo pelo qual a recomendação é consultar um especialista em medicina do sono sobre o problema — diz.
Ele também acrescenta que, nesses casos, é recomendável adotar medidas de higiene do sono, como técnicas de relaxamento, respiração, atividades como yoga ou tai-chi e terapia cognitivo-comportamental.
Além disso, o especialista destaca que, à medida que envelhecemos, a duração do sono diminui, enquanto, quanto mais jovens somos, a duração é maior.
Da mesma forma, o médico comenta que, em relação à renda, está comprovado que uma pessoa de baixo nível social/econômico tende a tirar mais sonecas do que alguém de alto nível socioeconômico. — Isso nos mostra que também há uma forte influência cultural nesse hábito — acrescenta.
Eles surgiram recentemente na cidade como uma opção para descansar um pouco e voltar ao trabalho com mais energia.
Para dar uma relaxada
Em 2022, a empresa de venda de colchões Calm inaugurou seu primeiro siestario em Palermo. Devido ao sucesso e ao fato de representar entre 8% e 10% de suas receitas, os proprietários foram incentivados a abrir um segundo espaço de descanso diurno.
Localizado em um ponto-chave da cidade de Buenos Aires, este lugar íntimo e tranquilo está situado no segundo andar da fábrica de colchões e, menos de um ano após seu lançamento, o local tem poucos horários disponíveis para reserva.
— Entendemos que, para aumentar a compra de colchões, não havia opção melhor do que os interessados terem a experiência de experimentá-los. Quando pensamos em como fazer isso, surgiu o tema dos cochilos e a tendência global dos siestarios — diz Matías Burstein, proprietário da empresa.
O local funciona de segunda a sexta-feira, em três turnos diários e com um intervalo de uma hora para limpeza e organização do local.
Entre uma aula e outra
As instituições acadêmicas não ficam para trás na tendência. Este é o caso da Universidade Argentina de la Empresa (UADE), onde existem vários espaços para que alunos e professores possam fazer uma pausa breve.
— Há algum tempo, estavam fazendo obras no prédio e, quando a faculdade foi inaugurada com as novas instalações, foram criados diferentes espaços em vários subsolos onde você pode ir e se acomodar para descansar — conta Luis Mangini, aluno da instituição.
O jovem revela que também há uma siestaria de uso exclusivo para os professores.
"Vamos dar uma volta no gramado": pode-se pensar que essa frase se refere à uma caminha ao ar livre. No entanto, não é o caso da Faculdade de Arquitetura, Design e Urbanismo (FADU) da Universidade de Buenos Aires (UBA), onde os alunos chamam de 'gramado' a siestaria metálica e de madeira que é revestida com grama sintética e está localizada no centro do prédio.
Este espaço foi criado por seis alunos de Arquitetura que ganharam um concurso estudantil e desenvolveram o projeto com o objetivo de proporcionar um momento de lazer e descanso para os alunos.
Segundo os frequentadores, o espaço é muito disputado e tem como horário de pico entre 13h e 14h, coincidindo com o horário em que a maioria das aulas termina e há um intervalo para retomar a próxima aula.
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