Em discurso, ontem, na Cúpula do Futuro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou mais "ambição e ousadia" dos líderes mundiais para a preservação do planeta. Conforme frisou, a adoção das metas de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas avança a ritmo lento. A crítica reforça a advertência, feita no Relatório Anual de Lacuna de Emissões 2023, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), de que as metas previstas no Acordo de Paris estão cada vez mais difíceis de serem alcançadas e que até o fim deste século o planeta pode ficar até 3° mais quente.
"Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável foram o maior empreendimento diplomático dos últimos anos, e caminham para se tornar o nosso maior fracasso coletivo. No ritmo atual de implementação, apenas 17% das metas da Agenda 2030 serão atingidas dentro do prazo", lembrou Lula, na abertura da Cúpula, evento que se realiza no plenário da ONU, em Nova York, para debater o futuro da humanidade.
Para o aquecimento do planeta ficar em 1,5°C, conforme prevê o Acordo de Paris, seria necessário reduzir em 42% as emissões de gases de efeito estufa até 2030. Se a diminuição no despejo de gases tóxicos na atmosfera ficar em 28%, o aquecimento global chegaria a 2°C. Porém, a expectativa é de que, daqui a seis anos, esse percentual de emissões fique bem abaixo do estabelecido na reunião realizada na capital francesa, em dezembro de 2015.
Por sinal, no discurso, Lula lembrou que na COP28 foi realizado um balanço global da implementação das metas do Acordo de Paris. "Os níveis atuais de redução de emissões de gases do efeito estufa e financiamento climático são insuficientes para manter o planeta seguro", salientou.
Diante de um cenário sobre o futuro do clima cada vez mais sombrio, um balanço ético global deverá ser construído como preparação para a COP30, em novembro do ano que vem, em Belém. "Em parceria com o secretário-geral (da ONU, António Guterres), como preparação para a COP30, vamos trabalhar por um balanço ético global, reunindo diversos setores da sociedade civil para pensar a ação climática sob o prisma da justiça, da equidade e da solidariedade", observou.
O documento a ser construído, o Pacto para o Futuro, aponta direções a serem seguidas, abordando, de forma inédita, a dívida dos países e a tributação internacional. "A criação de uma instância de diálogo entre chefes de Estado e de governo e líderes de instituições financeiras internacionais promete recolocar a ONU no centro do debate econômico mundial", afirmou.
Lula acrescentou que o Pacto Global Digital é um ponto de partida para uma governança digital inclusiva, que reduza as assimetrias de uma economia baseada em dados e mitigue o impacto de novas tecnologias como a inteligência artificial (IA). A Aliança Global contra a Fome, iniciativa da presidência do Brasil no G20, também foi enfatizada no discurso do presidente na ONU.
"Na presidência do G20, o Brasil lançará uma aliança para acelerar a superação desses flagelos", anunciou.
O presidente, porém, foi crítico sobre alcance e autonomia dos organismos multilaterais para que consigam que as recomendações e resoluções que elaboram sejam levadas a sério pelos países — que passariam a adotá-las. Inclusive, lamentou que o Conselho de Segurança tenha se tornado uma instância na qual prevalecem interesse individuais das nações que têm assento permanente — Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido.
"A maioria dos órgãos carece de autoridade e meios de implementação para fazer cumprir suas decisões. A Assembleia Geral perdeu sua vitalidade e o Conselho Econômico e Social foi esvaziado. A legitimidade do Conselho de Segurança encolhe a cada vez que aplica duplos padrões ou se omite diante de atrocidades", lamentou.
Lula chegou aos Estados Unidos no sábado e faz, amanhã, o primeiro discurso dos chefes de nação na Assembleia Geral da ONU.
Venezuela, tema indigesto
O presidente evitará tratar da crise na Venezuela na passagem por Nova York, nesta semana, onde participa da Assembleia-Geral das Nações Unidas — cuja abertura é amanhã. A tentativa de mediação proposta pelo Brasil e pela Colômbia entre o presidente Nicolás Maduro e sua oposição chegou a um impasse depois que os dois lados recusaram a possibilidade de refazer as eleições. Nas últimas semanas, Lula não comentou a crise, mas disse, no início da semana passada, que as relações com a Venezuela não serão interrompidas, independentemente de quem esteja no governo.
Segundo o secretário de Assuntos Multilaterais Políticos do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Carlos Márcio Cozendey, apesar de Lula não tratar diretamente do tema, a comitiva brasileira deve discutir a situação venezuelana com outros países. Porém, é uma oportunidade de explicar as razões para o princípio de "congelamento" das relações entre Brasília e Caracas.
"O governo brasileiro parece determinado a manter sua postura de neutralidade, com o objetivo de ser visto como um mediador potencial na crise venezuelana. Esse desejo de exercer uma liderança nas negociações regionais justifica, em parte, a abordagem mais cautelosa e silenciosa do Brasil", avalia o especialista em política internacional Luizio Felipe Rocha.
Isso não quer dizer que a ditadura venezuelana não será abordada, mesmo lateralmente. Lula participa de uma mesa redonda organizada pelo Brasil e pela Espanha para discutir os perigos da extrema direita e as ameaças à democracia. Um dos temas do encontro é a garantia de eleições livres, que as Nações Unidas acusam Nicolás Maduro de ter feito. O governo espanhol concedeu asilo ao candidato de oposição à Presidência venezuelana, Edmundo González.
Para o cientista político Leandro Consentino, a situação dá margem para que exijam do país uma posição mais firme em relação à ditadura venezuelana. "Pode haver uma cobrança quando o Brasil for falar em questões relacionadas à democracia, dada a contradição óbvia de defender Maduro e afirmar valores democráticos", explica.
Lula endureceu o discurso contra Maduro, mas não classifica seu governo como ditadura nem o acusa diretamente de fraude às urnas. Diplomatas acreditam que está clara a falta de disposição de Maduro para negociar e que as atas eleitorais não serão divulgadas. Ainda assim, segundo fontes do Itamaraty, a diplomacia brasileira continua atuando nos bastidores para uma mudança no quadro.
Violações
A agenda de Lula na ONU ocorre poucos dias depois da divulgação de um novo relatório sobre a Venezuela. O documento foi produzido por uma missão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em parceria com entidades do país. A investigação foi realizada entre setembro de 2023 e agosto deste ano, e mostrou um grande crescimento nas violações de direitos imediatamente à eleição, em 28 de julho.
O relatório aponta que as autoridades ligadas a Maduro orquestraram medidas para desmontar a oposição política, reprimindo brutalmente os protestos. "A resposta repressiva do Estado (às manifestações) foi um novo marco na deterioração do Estado de Direito", diz o relatório.
A investigação confirmou 25 mortes nos embates entre manifestantes e a polícia. Além disso, foram registrados 40 casos em que as forças de segurança invadiram casas sem mandado.
As informações são do Correio Braziliense.
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