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sábado, 16 de dezembro de 2023

RESILIÊNCIA - A PALAVRA QUE DEFINE A TRAGETÓRIA DE JULLIE DUTRA , NOVA MILIONÁRIA DO BRASIL


Se você acompanha noticiários, assiste televisão ou acessa redes sociais, muito provavelmente você ouviu, nos últimos dias, o seguinte nome: Jullie Dutra. Após se tornar a primeira pessoa a vencer o quadro “Quem quer ser um milionário”, exibido no Domingão com Huck, na TV Globo, a história da pernambucana se tornou conhecida no país inteiro.

Nascida em Limoeiro mas morando desde os primeiros dias de vida até os 18 anos em João Alfredo, ambos municípios do Agreste do Estado, a jornalista tem uma trajetória marcada por desafios e superações. O pai foi assassinado quando ela tinha 5 anos de idade, ela enfrentou uma depressão severa após a morte da mãe, em 2013, e, então, direcionou seus esforços para a criação de uma agência de comunicação. No último dia 10, envolveu o Brasil ao responder corretamente todas as perguntas do game show.

De lá para cá, a rotina da vencedora ganhou escalas gigantescas. É presença constante em entrevistas, programas de rádio e tv, e, em poucos dias, ultrapassou os 350 mil seguidores em uma única rede social. Em meio a toda essa revolução, uma palavra tornou-se sinônimo da sua trajetória: resiliência. Inclusive, ela tem o termo tatuado em seu braço.
Jullie durante sua participação no quadro do Domingão com Huck - Foto: Taís Vieira/Divulgação

O comportamento da jornalista diante das dificuldades que marcaram sua vida, a dedicação aos estudos e a mentalidade do “eu vou conseguir” fizeram, na avaliação da própria Jullie, com que muitos brasileiros se reconhecessem em sua trajetória. A partir desse reconhecimento, veio a torcida durante o programa, torcida essa que se estendeu para o mundo pós-competição.

Durante a depressão, Jullie teve o apoio de amigos, poucos mas que não desgrudaram dela, como ela mesma relembra, e procurou ajuda médica e profissional. Fez uso de medicamentos por dois anos e segue com terapia até hoje. “Fui para psiquiatra, fiz medicação, para tentar superar. E falo isso tranquilamente porque as pessoas têm que parar de enxergar a medicação antidepressiva como associada à loucura. Ainda tem isso. Você enfrenta a depressão e enfrenta o preconceito de tomar um remédio para ficar bom. É luta, viu?”, contou.

O desejo de não esmorecer foi fundamental para que ela não desistisse dos seus sonhos, nem de si, e conseguisse se reerguer.

“A morte da minha mãe é um divisor de águas muito grande na minha vida e eu tinha dois caminhos: ou eu seguia ou eu não seguia, era bem isso. Essas duas alternativas eram as que se apresentavam para mim. Eu entrei em depressão, então tinha essas duas possibilidades: abreviar a minha vida ou seguir. E eu não tinha uma estrutura de apoio, então é muito mais difícil você superar uma depressão sem rede de apoio. Eu gosto de falar muito desse tema porque têm pessoas que têm a rede de apoio e que não pedem ajuda. E eu não tinha rede de apoio familiar e saía pedindo ajuda a todo mundo”, disse.

A resiliência, reflete, foi um processo de construção. “Já passei por muita coisa na minha vida e me mantive, dentro do possível, com a capacidade de me adaptar a determinadas situações, sabe? A gente vai lapidando isso, vai maturando. Ninguém nasce assim, resiliente, a gente vai construindo a resiliência. Às vezes, você constrói de uma forma muito forçada. Foi o meu caso”, comentou.
Jullie estuda para ingressar na carreira da diplomacia - Foto: Taís Vieira/Divulgação

Aos 18 anos, ela saiu de João Alfredo para o Recife, onde, após formada, trabalhou em diferentes veículos de comunicação, incluindo a Folha de Pernambuco. Um dos motivos que a fez abrir a própria empresa, enquanto lutava contra a depressão, foi ter mais tempo com a avó, hoje com 87 anos, já que ela havia permanecido no interior do estado. “A minha família era minha avó. Ela já estava velhinha, tinha perdido a filha, e precisava de mim”, recordou. Hoje, a agência de marketing digital fundada em 2014 conta com 14 colaboradores e mais de 50 clientes ao redor do Brasil.

Há dois anos, Jullie iniciou os estudos para ingressar na carreira de diplomata, considerado um dos concursos mais difíceis do Brasil. A rotina de estudos é intensa e acontece durante o dia, enquanto a filha de três anos, que está dentro do espectro autista, está na escola ou na terapia, e à noite, quando a pequena está dormindo.

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Com o alcance que conquistou nas redes sociais, Jullie pretende abordar temas que lhe são caros, como a própria luta em prol de pessoas dentro do espectro, a importância da educação e o empoderamento feminino. Quanto à diplomacia, ela é categórica e dá como certa, diante de todo o empenho e dedicação, e agora com a possibilidade de investir na sua preparação, a futura nomeação ao cargo.
A psicóloga Gabriele Gomes explica que a resiliência é um processo - Foto: Arthur de Souza/Arquivo Folha de Pernambuco

Para a psicóloga Gabriele Gomes, o fato de a pessoa ter uma posição de confiança contribui para que objetivos e sonhos sejam alcançados. “Em relação à história de Jullie Dutra, é inspirador ver como ela superou a depressão e conquistou seus objetivos. A busca por ajuda profissional, a dedicação aos estudos e a mentalidade de que é capaz de alcançar seus objetivos foram fundamentais para a superação. Para superar os desafios, é necessário desenvolver habilidades de enfrentamento e criar metas realistas. Acreditar em si mesmo e visualizar o sucesso também pode ser benéfico, pois essa mentalidade pode ajudar a criar motivação e determinação para mover-se, estudar, trabalhar e alcançar os objetivos”, analisou.

De acordo com a psicóloga, é importante ressaltar que a resiliência é um processo, que pode ser trabalhado, e não uma característica estável do indivíduo, já que ninguém é resiliente o tempo todo.

“Este processo é percebido após um trauma, uma situação adversa. A resiliência é um movimento psíquico de reorganização frente a tais situações. A atitude resiliente se dá por mecanismos de defesas, mecanismos estes que promovem alguns comportamentos, como facilidade em adaptar-se a mudanças, flexibilidade, capacidade de resolução de problemas, recuperar-se rapidamente de contratempos. Para além disso, é saber enfrentar, processar e lidar com situações adversas, transformando-as em aprendizagem.”

Ela destaca, ainda, que, apesar de não haver um momento específico para estabelecer novas formas de enfrentar desafios, a virada de ano pode funcionar também como uma “virada de chave”, em que a pessoa pode adotar um novo comportamento, mais positivo para o alcance das suas metas. “Depende das escolhas, atitudes e disponibilidade da pessoa em questão, da sua vontade de mudar. Porém, o início de um ano pode representar um novo recomeço, planejamentos e estabelecimento de metas. Também proporciona reflexão sobre o ano que está findando, o que foi deixado para trás e uma nova oportunidade de recomeço”, disse.
Gil do Vigor também usa espaço para falar sobre educação - Foto: Divulgação

O pernambucano Gilberto Nogueira, conhecido como Gil do Vigor, também viu sua vida mudar após participar, em 2021, do Big Brother Brasil, reality show exibido pela TV Globo. Desde então, usa o espaço que alcançou para falar sobre a importância de acreditar em si e nos seus sonhos, sempre evidenciando a importância da educação em sua trajetória. Ele acompanhou a vitória da conterrânea e celebrou nas redes sociais e no programa Mais Você, também da TV Globo, transmitido na última quinta.

“Ela ganhou estudando, ralando, foi muito livro em cima de livro. É por isso que eu também fiquei apaixonado porque ela fala algo sobre educação, que é a minha paixão. E eu fiquei querendo falar com ela porque eu acredito que a educação é um meio transformador”, disse.

Gil lembrou outras semelhanças entre os dois ao recordar que Jullie revelou que desejava o prêmio para investir nos estudos para a diplomacia. Ele contou, ainda, que ficou emocionado ao ver a jornalista ganhar o prêmio.

“Na hora que ela falou aquilo, me veio toda a memória que eu tive durante a minha seletiva para o Big Brother, que eu falo que eu quero entrar para fazer o PhD. Quando ela ganhou, eu chorei que parecia que era eu ali”, comentou.

O psicólogo Cleyson Monteiro avalia que uma das características mais importantes diante de situações desafiadoras é o indivíduo entender que ele tem duas opções de escolha: “ou ele se acomoda e aceita, ou ele supera e cresce”, pontua. “Então, o comportamento humano é muitas vezes influenciado pela sua capacidade de ver a situação, entender que isto é muito complexo para sua vida, mas que você é capaz o suficiente de superá-lo e fazer com que aquilo que você estava vendo como algo ruim torne-se algo bom”, comenta.
O pisicólogo Cleyson Monteiro explica que é possível se tornar uma pessoa resiliente - Foto: Divulgação

O especialista reforça que é possível se tornar uma pessoa resiliente. “Como a gente está falando de uma característica de comportamento humano e todo comportamento tem uma capacidade de elasticidade, de adaptabilidade, é possível, sim, que a gente consiga estabelecer critérios de desenvolvimento humano para a mudança de comportamento. A mudança de comportamento parte do princípio de que você entenda que aquilo não te faz bem e que você tem a capacidade de lidar e superar e desenvolver outras habilidades”, explica.

Em casos em que a pessoa passa reiteradamente por situações adversas, o fato de não desistir, defende o psicólogo, por si só já se caracteriza como resiliência. “Quando você deixa de abrir mão das coisas que você muitas vezes se acha incapaz de fazer e você começa a perceber que é possível mudar, não desistir, essa característica é a resiliência”, frisa.

“Uma capacidade de você mudar e superar os seus limites, conseguir se adaptar, o que a gente chama de modelagem. A inserção de um novo modelo de comportamento que se caracterize por você deixar de ser influenciado para que você se torne uma pessoa resistente, resiliente, que consiga superar as adversidades, superar os elementos que normalmente lhe desestabilizam e aprender o desenvolvimento de técnicas, mudanças de comportamento, influências positivas, para que você consiga lidar com a dificuldade que a vida impõe”, conclui.

Por Jaqueline Fraga - Folha de Pernambuco

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