Uma mensagem em inglês no Instagram, enviada por um suposto militar, aciona a notificação no celular de Ana Clara Oliveira, de 36 anos, desencadeando uma dor de cabeça e aflição que duraria semanas. O “soldado americano” alegava estar em uma guerra na Síria e precisava da ajuda financeira de Ana para sair do país.
Prometendo um relacionamento com a brasileira, o suposto soldado pedia dinheiro para liberar uma encomenda que, segundo ele, estaria retida nos Correios do Rio de Janeiro. Após a liberação, ele prometia vir ao Brasil para se casar com Ana. Ela passou semanas aflita e chegou a pedir dinheiro emprestado para ajudá-lo. Antes de cair no golpe, foi alertada, mas ainda hoje pensa que a história poderia ser verdadeira.
A busca pelo verdadeiro amor em aplicativos de relacionamento pode se tornar arriscada, já que nunca se sabe quem está do outro lado da tela. Por mais clichê que pareça, todo cuidado é pouco nesses aplicativos, que estão sendo invadidos por golpistas, que utilizam diversos mecanismos psicológicos para extorquir dinheiro dos usuários.
Esses aplicativos facilitaram a conexão entre pessoas, possibilitando que usuários de diferentes lugares e interesses se conheçam diariamente. Desde os anos 2010, apps como Tinder, Happn e Badoo se tornaram quase regra para jovens que desejam conhecer novas pessoas e iniciar relacionamentos. Aplicativos voltados para o público LGBTQIA+, como Grindr e Zoe, ou para aqueles que buscam amor fora de seu país, também se popularizaram.
No entanto, essas plataformas se tornaram terreno fértil para criminosos aplicarem golpes, roubarem dados de usuários e chantageá-los.
Golpes de relacionamento online acontecem quando alguém acredita ter estabelecido uma conexão autêntica em um site ou app, mas, na verdade, está conversando com um golpista que usa um perfil falso. Esses criminosos manipulam suas vítimas para ganhar sua confiança e depois pedem dinheiro ou informações pessoais o suficiente para roubar sua identidade.
Embora qualquer pessoa possa ser vítima, os mais velhos são especialmente vulneráveis, correndo maior risco de sofrer prejuízos financeiros. Os golpistas tendem a visá-los porque são mais propensos a ter bens que podem ser roubados, como fundos de pensão ou imóveis, e estão mais dispostos a fazer transferências em dinheiro.
Golpistas utilizam gatilhos mentais para atrair as vítimas (Foto: Rafael Vieira/DP Foto)
Dados enviados pela Secretaria de Defesa Socisl (SDS-PE) mostram que, de janeiro a julho de 2024, um total de 10.270 pessoas foram vítimas de estelionato/fraude na internet em Pernambuco. Em 2023, no mesmo período, foram 7.830. Em todo o ano de 2023, houve o registro de 14.194 queixas.
Estima-se que aproximadamente dois terços das vítimas no país sejam mulheres, com uma média de idade de 50 anos. Apesar de a maioria dos alvos serem mulheres mais velhas, os golpistas utilizam diversas táticas para extorquir dinheiro ou até sequestrar suas vítimas.
“Em Pernambuco, os golpes mais comuns são os financeiros, como a extorsão. O criminoso tenta obter fotos íntimas da vítima para, depois, chantageá-la. Há também a ilusão do falso amor e promessas de casamento. Outro golpe comum envolve o criminoso afirmando que está vindo encontrar a vítima e que enviou um presente, retido na alfândega, exigindo dinheiro para liberá-lo”, explica o delegado titular da Delegacia de Crimes Virtuais, Eronides Meneses.
O delegado esclarece que os criminosos criam perfis com fotos de pessoas atraentes e miram em pessoas mais velhas. Eles estabelecem contato, iniciam uma conversa e a vítima acaba enviando fotos íntimas, dando início a um namoro virtual rápido. A partir daí, o golpista usa essas imagens para chantagear a vítima.
Em alguns casos, o golpista ainda simula que a vítima teve relações com menores de idade, acusando-a de pedofilia e ameaçando expô-la.
De acordo com a psicóloga comportamental Brunna Lima, os golpistas tendem a mirar em pessoas psicologicamente vulneráveis e que possuem pouco conhecimento sobre o uso de aplicativos.
“Pessoas com histórico de abandono ou sensação de inadequação são mais propensas a enfrentar esse tipo de situação. Elas podem estar desesperadas por uma conexão emocional e, assim, mais suscetíveis a acreditar em promessas de relacionamentos rápidos e intensos, feitas pelos golpistas”, explica.
A psicóloga também destaca que “muitas vezes, pessoas sem acesso a informações sobre possíveis alertas e com pouco conhecimento sobre redes sociais e aplicativos estão mais sujeitas a cair em golpes”.
Veja abaixo os golpes mais comuns em aplicativos de relacionamento:
Golpe do Sugar Daddy: O golpista finge ser uma pessoa rica, buscando alguém para sustentar. Ele promete luxos como viagens e joias, mas antes de enviar qualquer valor, solicita dinheiro com alguma justificativa.
Golpes militares: O criminoso finge ser um militar no exterior e alega não poder encontrar a vítima. Ele pede dinheiro para cobrir “despesas” fora do país.
Golpes de catfishing: Envolve a criação de perfis falsos na internet para enganar pessoas. O golpista se aproxima emocionalmente da vítima para obter dinheiro ou informações pessoais.
Golpe da herança: O golpista afirma que precisa se casar para receber uma herança, pressionando a vítima a fornecer dados pessoais e documentos. Após isso, desaparece com as informações.
Golpe da foto: O criminoso solicita fotos íntimas da vítima e, posteriormente, a chantageia para não divulgar as imagens.
Golpes nas redes sociais: Usando plataformas como Instagram, Facebook, WhatsApp e Telegram, os golpistas ganham a confiança das vítimas e usam suas informações pessoais para aplicar outros golpes.
Golpe da plataforma de petróleo: Similar ao golpe do falso militar, o golpista alega trabalhar em uma plataforma de petróleo e pede dinheiro crescente ao longo do tempo.
Como se prevenir
Golpistas buscam pessoas vulneráveis para enganar e extorquir (Foto: Rafael Vieira/DP Foto)
Diante desses alertas, os usuários de aplicativos de relacionamento devem estar atentos aos sinais de fraude. Ao suspeitar de um golpe, é importante interromper a troca de mensagens e evitar compartilhar mais informações pessoais.
A psicóloga Brunna Laís ressalta a importância de prestar atenção a “declarações rápidas de afeto, histórias emocionais carregadas, problemas financeiros, graves doenças, solicitações de dinheiro ou assistência, evasividade em relação a informações pessoais e exigência de exclusividade e segredo”.
Atualmente, o Tinder, que conta com mais de 10 milhões de usuários brasileiros, oferece a ferramenta “Compartilhar Meu Date”, para ajudar a garantir a segurança dos encontros. Com essa opção, o usuário pode gerar um link com informações sobre o encontro e compartilhá-lo com um contato próximo.
A Polícia Civil de Pernambuco ressalta a importância do registro de boletim de ocorrência (BO), pois é a partir do BO que os policiais civis iniciam as investigações. Ao registrar e fornecer, o mais breve possível, o maior número de informações e dados relativos ao fato, é possível dar início imediato às investigações.
Por Adelmo Lucena - Diário de Pernambuco
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