As mulheres são maioria entre os estudantes com ensino superior completo, no entanto são minoria em relação a posições de poder e seguem ganhando menos que os homens, mesmo ocupando os mesmos cargos. A divisão desigual do trabalho em casa é só uma entre as inúmeras barreiras enfrentadas por elas no mercado de trabalho, que tem adiado a maternidade em busca do empoderamento econômico.
Apenas 39,3% dos cargos gerenciais no país são ocupados por mulheres. Em média, essas líderes ganhavam 21,2% a menos que os homens na mesma posição. Os dados são da pesquisa "Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil", publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),com informações referentes a 2022.
A maior disparidade foi verificada entre os profissionais das ciências e intelectuais, grupo em que as mulheres receberam 36,7% menos que os homens. Em termos de participação, as mulheres só são maioria nas gerências e coordenações das áreas de educação e saúde humana e serviços sociais.
Para Miriam Vale, coordenadora de Ciências Econômicas do Ibmec São Paulo, a disparidade de gênero, que impede as mulheres de chegarem a cargos mais altos, começa pela questão legislativa. "As coisas estão mudando, mas não de maneira obrigatória. Nós já somos tratadas desigualitariamente quando a gente pensa que por ser uma mulher eu posso ter filhos e isso vai me fazer teoricamente perder mais dias de trabalho", afirmou.
A pesquisadora reforçou que para chegar nesses cargos de liderança, as mulheres deveriam ser tratadas na legislação da mesma maneira que os homens. "Sem contar que muitas coisas que a gente tem de carga mental e carga fora do trabalho são deixadas com as mulheres, por questões históricas que acontecem dentro dos lares", afirmou.
A taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho foi de 53,3% enquanto a dos homens foi de 73,2%. A maior dedicação ao trabalho de cuidado doméstico impacta na inserção no mercado de trabalho. Em 2022, as mulheres dedicaram quase o dobro de horas nesses afazeres em relação aos homens. Enquanto elas passaram cerca de 21,3 horas semanais nos afazeres domésticos ou cuidado de pessoas, eles gastaram 11,7 horas.
"Como o dia só tem 24 horas e as mulheres estão dedicando mais horas a cuidados e afazeres, sobra menos tempo para elas se inserirem no mercado de trabalho. Na ausência de redes de apoio institucionais, como escolas em tempo integral e serviços de assistência, as mulheres acabam tendo uma participação menor no mercado de trabalho. Isso é histórico", destacou a coordenadora-geral do estudo do IBGE, Bárbara Cobo. Além disso, a taxa de informalidade delas foi de 39,6% contra 37,3% deles, sendo que a diferença entre a taxa de informalidade das mulheres pretas ou pardas chegou a 45,4% contra 30,7% dos homens brancos.
O estudo mostra ainda que o nível de ocupação das mulheres adultas (entre 25 e 54 anos) é afetado pelo cuidado com crianças. Em casas com crianças de até 6 anos, 56,6% estavam ocupadas. Já em lares sem crianças, a taxa de ocupação sobe para 66,2%. Entre os homens a tendência é inversa, em domicílios com crianças de até 6 anos, 89% de homens adultos estão ocupados, contra 82,8% das casas sem crianças.
Desafios acadêmicos
Ao contrário do mercado de trabalho formal, em que os homens levam vantagem, na educação são as mulheres que largam na frente. Entre os estudantes que estão no último ano da faculdade, 60,3% são mulheres. A maior parte delas está concentrada nos cursos de graduação relacionados à área de bem-estar, com 91% de participação.
A menor participação feminina está nos cursos de ciência e tecnologia, que incluem as áreas de tecnologia da informação, matemática, estatística e engenharia. Nesses, as mulheres são apenas 22% dos concluintes.
"As áreas das ciências exatas, são, historicamente, mais ocupadas por homens e justamente por isso acabam reproduzindo as mesmas lógicas no mercado de trabalho. Produzir conhecimento e ser legitimada nos espaços acadêmicos sendo mulher nessas áreas é algo que demanda muita energia e muitas delas desistem, o que é lamentável", comentou Kenia Cardoso, coordenadora de nova economia e desenvolvimento territorial da Fundação Tide Setubal.
Sobre a dificuldade de mulheres na ciências e intelectuais, Cardoso mencionou ainda o caso de duas pesquisadoras que tiveram suas bolsas cortadas pelo CNPq, "Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) no fim do ano passado por terem engravidado. "Uma das críticas que uma delas sofreu foi que a produção dela decaiu por conta da gravidez. Elas são vítimas, muitas vezes, de um espaço que não consegue acolhê-las nesse lugar reprodutivo. É um espaço de produção de saber que não está preparado para acolher a mulher em sua completude", completou.
As mulheres pretas ou pardas são mais afetadas pelas desigualdades na educação, no mercado de trabalho, na renda e na representatividade política. Entre as mulheres com 25 anos de idade ou mais, 21,3% tinham completado o ensino superior, contra 16,8% dos homens. Percebe-se, no entanto, desigualdade maior quando se compara às mulheres brancas (29%) com as pretas ou pardas (14,7%). "Há uma dupla descriminação, por serem mulheres e por serem negras. Quando se fala na exclusão das mulheres negras se trata de como elas são responsáveis no geral pela produção de valor no Brasil e não são remuneradas na altura, há um descasamento entre a remuneração e a importância que elas têm na economia", pontuou Cardoso.
Maternidade aos 40
O número de nascimentos no Brasil teve queda de 13% em 2022 ante 2018, mas apresentou alta entre as mulheres com mais de 40 anos. A opção de ter filhos para idades mais avançadas se alinha à tendência de aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho e ao aumento da escolarização, de acordo com os indicadores sociais.
De uma forma geral, o número de filhos caiu de 2,9 milhões para 2,5 milhões entre 2018 a 2022. O maior número de nascimentos ocorre entre as mulheres de 20 a 29 anos de idade, mas a trajetória é de queda. Em 2018, foram 1,4 milhão de bebês, contra 1,2 milhão em 2022 — uma redução de 11,2%.
A maior queda foi entre jovens de 10 a 19 anos (30,8%), mostrando que, embora ainda haja um número expressivo de gravidez na adolescência, existe um em declínio. Em sentido oposto, o indicador cresceu entre as mães mais velhas, de 40 a 49 anos. Nesse grupo, os nascimentos registraram alta de 16,8%.
Mercado de trabalho
Segundo a economista Isabela Duarte, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), ao longo dos anos, a maternidade tem sido colocada como uma barreira na entrada do mercado de trabalho. "Essa característica faz com que hoje a mulher acabe postergando a hora de ter filhos, para ficar mais tempo no mercado e tentar não sair. Sabemos que a volta, após a maternidade, é bastante difícil, muitas mulheres têm um salário menor nesse retorno. Por isso, hoje, elas postergam a maternidade, para terem maior estabilidade", apontou.
Em 2022, as mulheres correspondiam a 60,3% dos estudantes concluintes nos cursos presenciais de graduação. A taxa de participação feminina na força de trabalho era de 53,3% neste mesmo ano, percentual ainda muito inferior ao dos homens (73,2%), mas que vem crescendo no longo prazo.
Legislação limitada
Para Mirim Vale, coordenadora de Ciências Econômicas do Ibmec São Paulo, essa escolha de adiar a maternidade se dá pela falta de igualdade na legislação trabalhista brasileira. Ela citou que a partilha igualitária da licença parental é comum nos países escandinavos. A Finlândia, por exemplo, adotou uma nova lei da família que redefine a duração da licença parental e o montante ou duração das prestações de cuidados infantis.
Pela primeira vez, tanto as mães como os pais têm direito a uma licença parental com a mesma duração. Ambos recebem subsídio parental por 160 dias cada, o que perfaz um período de quase um ano. Em conjunto, podem, assim, ficar em casa com o seu filho ou filha durante cerca de 14 meses. No Brasil, a legislação prevê licença parental de 120 dias para a mulher e cinco para os homens.
"Eu atribuo esse movimento de aumento de mães após os 40 anos justamente à falta de igualdade na nossa legislação. Aqui se tira tempo de trabalho das mulheres após elas serem mães. Uma reforma da legislação poderia melhorar a posição das mulheres no mercado de trabalho e elas não precisariam adiar a maternidade", comentou a economista, que destacou ainda que, por vezes, essa decisão pode ter como consequência o comprometimento da saúde em mulheres mais velhas.
Por Rafaela Gonçalves - Correio Braziliense
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