Os barulhentos tiros estão de volta ao São João de Pernambuco, após dois anos sem serem ouvidos, por causa da pandemia de Covid-19. Os bacamartes possuem registros históricos da Guerra do Paraguai, no século 19, na qual os soldados usavam o instrumento para lutar, mas por aqui, eles ganharam outra funcionalidade: a arma se tornou objeto de cultura. O próprio Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, cantou “o bacamarte é esta arte, de saber fazer um tiro e de ilusão e tradição”.
As pessoas que participam dos grupos se vestem a caráter, utilizando uniformes na cor azul, sandálias de couro, lenços no pescoço e chapéus de palha ou couro. “Durante o auge da pandemia a gente nem se encontrava para fazer o terço do bacamarteiro. Neste São João, estamos tentando aproveitar ao máximo para compensar os anos perdidos”, contou Vinícius Lourenço, bacamarteiro, 24 anos, o único de sua família a participar dessa tradição. Ele entrou no grupo aos 19 anos. “Eu me sinto feliz em representar a cultura nordestina. É uma honra poder ajudar a manter essa tradição viva”, disse.
Ivan Marinho, 57, por sua vez, tem 20 anos de história dentro de um “pelotão” de bacamarteiros. Ele é o presidente da Sociedade dos Bacamarteiros do Cabo (Sobac) e da Federação dos Bacamarteiros de Pernambuco (Febape) e também administra o Museu Olímpio Bonald de Bacamarte, no Cabo de Santo Agostinho, Região Metropolitana do Recife. “Ser bacamarteiro para mim é ser nordestino. A brincadeira teve origem em Pernambuco, a permanência aqui é maior do que nos outros estados. Temos mais de 100 grupos em atuação”, explicou o “capitão”.
O Museu Olimpio Bonald de Bacamarte, na área central do Cabo, é o único dedicado aos brincantes. O memorial já conta com mais de mil visitas, em menos de um ano. “Fazemos a defesa do bacamarte como um instrumento que não tira a vida. Lutamos dia pós dia para criar oportunidades para que o bacamarte se afirme socialmente como a expressão cultural importante que é”, explicou Marinho. “Se sentir bacamarteiro é sentir disposto para vida. É querer festejar a vida.”
A força feminina também está presente nos grupos de bacamartes. No Cabo de Santo Agostinho existe a mesma quantidade de homens e mulheres. Foi lá que, na década de 1960, foi criado o primeiro grupo de atiradoras mulheres. “Pela natureza da arma, os grupos de bacamarte naturalmente atraem mais homens. Antigamente, quando algum homem não tinha filho homem, o instrumento passava para a filha. Foi assim que mulheres começaram a participar”, disse a bacamarteira Felicia Marinho, de 46, há 13 anos na tradição junina, que brinca com a família, seu marido e os três filhos. “Não me vejo sem estar no bacamarte, sem atirar. Sou do Bacamarte”, afirmou, orgulhosa.
Inventário
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) afirma que os inventários são instrumentos de preservação, que buscam identificar as diversas manifestações culturais de natureza imaterial e material. O objetivo é organizar a valorização da manifestação cultural. Sabendo disso a Federação dos Bacamarteiros de Pernambuco entrou com o processo de inscrição para ser considerado patrimônio nacional. A pesquisa passará por todas as regiões pernambucanas fazendo o levantamento dos grupos.
Para a organização da federação o principal objetivo é iluminar características originais da tradição popular que justificam sua longevidade na região. “Busca trazer o quanto essa manifestação fala sobre essa pernambucanidade, a partir de uma experiência muito peculiar, com o uso do bacamarte, que não é uma arma de fogo, mas é extremamente poderoso. É o barulho que informa a chegada de uma procissão e de um grupo vestido de cangaceiros para provocar emoções nas pessoas. Essa manifestação cultural transformou uma arma em é um instrumento da cultura”, contou Hugo Meneses, coordenador do inventário dos bacamarteiros e professor do departamento de Antropologia e Museologia da Universidade federal de Pernambuco (UFPE).
Por Tainá Milena - Diário de Pernambuco
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