Sempre em processo de ressignificação de símbolos, o Carnaval no Brasil desde a sua criação incorpora manifestações culturais das mais diversas. Muitos, contudo, não devem saber que a folia de Momo como conhecemos atualmente foi inspirada no entrudo, festa popular portuguesa que se realizava nos três dias que antecedem a Quaresma. Nela, os brincantes lançavam uns nos outros os mais diversos produtos, como farinha, baldes de água, limões de cheiro etc. Megalomanias à parte, Pernambuco respira essa manifestação durante todo o ano, defendem estudiosos. Uma relação de amor pela festividade mais esperada pela população.
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Para o antropólogo Hugo Menezes, pesquisador da cultura popular, há uma forte solidez na cultura carnavalesca em Pernambuco. "Isso faz com que tenhamos uma festa de dimensões muito maiores do que outros Estados e de fato uma festa emblemática da relação com nossa identidade pernambucana. Uma festa que é referência para o País inteiro, inclusive por ser grandiosa e extensa em seu calendário", disse.
No calendário não oficial de Momo, as festividades começam já no dia 7 de setembro com o primeiro ensaio da Troça Carnavalesca Mista Pitombeira dos Quatro Cantos de Olinda. Contando a partir de então, os pernambucanos teriam sete meses de envolvimento com a festa. No entanto, Hugo Menezes reforça que ano inteiro se vive o Carnaval em Pernambuco. "Os ensaios das prévias demandam toda uma organização anterior. Eu digo que o Carnaval do Recife e Olinda chega ao seu ápice em fevereiro, mas começa logo quando acaba o período oficial de folia."
Nessa perspectiva não seria exagero dizer que temos o maior Carnaval do mundo. "Inclusive, oficialmente temos uma folia estendida porque as prévias passam hoje a constituir uma dimensão muito importante da festa. Quando acaba o Carnaval do ano vigente, a gente já começa a pensar na festa do ano seguinte", disse o professor do Departamento de Antropologia e Museologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Quem concorda com essa dinâmica é a professora Inez Campos. Moradora de Olinda, ela conta que a relação dela com o Carnaval é praticamente embrionária pois a família dela sempre morou próximo à Ladeira da Boa Hora, no Centro Histórico, onde a folia acontece. Ou seja, desde que nasceu ela tem contato com a manifestação cultural. "O Carnaval não se restringe apenas aos quatro dias. Para quem mora aqui normalmente vive o Carnaval o ano inteiro, pois nas festas sempre tem frevo, bloco", comentou.
Ela conta que a memória mais antiga que tem da folia nas ladeiras de Olinda é de quando tinha entre 4 e 5 anos. "Minha mãe sempre fantasiava eu e meus e irmãos e nos levava. Eu via minha avó vendendo tapioca, os blocos passando e eu pulando. Não me conheço sem o Carnaval", comenta, lembrando que durante a adolescência fez aulas de dança popular, nas quais teve um contato maior com o frevo. "Além de já ser foliã e neta de tapioqueira também me tornei dançarina popular fazendo Carnaval e participando dos shows, dos desfiles."
Influências
Antes de se tornar o que conhecemos atualmente, o Carnaval passou por várias fases. O Brasil recebeu influência dos bailes de outros países, como o da Itália, sobretudo de Veneza com seus desfiles de máscaras. Muitos dos trajes e figurinos característicos do século 18 tentavam reproduzir o estilo e a moda dos nobres daquela época, como as máscaras, roupa de seda negra e chapéu de três pontas. Na década de 1880, houve a junção do Carnaval de rua com o de salão e foi dessa união que nasceram as associações carnavalescas.
Posteriormente, somaram-se a essas o modelo das personagens da Commedia dell’Arte, figuras de representações teatrais comuns na Itália e em toda Europa desde o século 16 até meados do século 18, algumas cultuadas até os dias atuais, como Arlequim e Colombina. Apesar da forte influência europeia, sobretudo nos bailes de carnaval conhecidos como “Carnaval de Salão”, atualmente é um tanto quanto impreciso falar do carnaval do Brasil como um todo.
As manifestações variam de região para região e até mesmo de cidade para cidade. As mais expressivas festas de carnaval do País são as da cidade do Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Olinda. "De fato temos carnavais muito diferentes porque as pessoas vivem relações sociais distintas em cada cidade e porque o poder público direciona para um modelo festivo diferente em cada lugar. Entretanto, nesses lugares todos as discussões parecem se assemelhar sobre as noções de público e privado e as relações das pessoas", comentou Hugo Menezes.
Em Pernambuco, há mais de uma década o carnaval do Recife foi denominado pelos órgãos oficiais como “carnaval multicultural” devido às diversas formas de manifestação popular observadas nessa época do ano. De um lado, a tradição, representada pelos espetáculos populares, como maracatu, blocos de frevo, troças, caboclinhos. De outro, a cena musical contemporânea, com shows de artistas dos mais diversos ritmos.
Oficialmente, a abertura do Carnaval do Recife acontece na sexta-feira que antecede o Sábado de Zé Pereira, no Marco Zero da Cidade, com a programação da gestão municipal. Mas há quem defenda que a festa realmente só ganha vida a partir do desfile do Galo da Madrugada. Crítico de algumas mudanças do Carnaval, o historiador Leonardo Dantas Silva defende que é preciso resgatar o modo como se fazia a folia. "O Carnaval de chão virou de palco. Ninguém diz: 'Eu vou brincar o Carnaval, eu vou cair no frevo'. Se diz: 'Eu vou ver o show tal'. As agremiações passam imprensadas."
Por outro lado, o assistente de pesquisa e historiador do Paço do Frevo, Luiz Santos, reforça que o Carnaval é uma festa viva e como ser vivo vai estar sempre modificando. "Ele é feito por pessoas e cada uma ao longo da sua trajetória de vida vai se relacionar com outras que vão agregar identidade, formas de pensar e de ver o mundo. O Carnaval constantemente está procurando dialogar com o mundo e querendo trazer novas visões e principalmente maneiras de sentir", disse.
Fonte - Folha de Pernambuco
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