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quarta-feira, 1 de agosto de 2018

GARANHUNS - POLÊMICA SOBRE DENÚNCIA CONTRA JOHNNY HOOKER CONTINUA

As redes sociais fervilham, atacando e defendendo o cantor Johnny Hooker. Depois que ele fez declarações polêmicas durante show em Garanhuns na última sexta (27), afirmando que "Jesus é travesti" (numa referência à peça estrelada pela atriz transexual Renata Carvalho, que foi censurada e teve sua apresentação suspensa da grade oficial do Festival de Inverno), o advogado Jethro Silva Júnior entrou com uma notícia-crime, no Recife, na segunda (30), pedindo a prisão preventiva de Hooker. 

O documento convoca como testemunhas pessoas que estavam em Garanhuns, como o prefeito Izaías Régis, e outras que estavam longe da cidade, como o arcebispo de Olinda e Recife, dom Fernando Saburido, e a cantora baiana Daniela Mercury(que uma semana antes tinha saído em defesa da mesma peça e causado polêmica ao expor sua relação lésbica com a jornalista Malu Verçosa). Além de jogar gasolina na polêmicaenvolvendo a peça "O Evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu" e a série de incidentes envolvendo seus defensores e detratores, a ação de Silva Júnior mexe com outros aspectos delicados de uma saga que começou há exatamente um mês, quando a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) e a Secretaria Estadual de Cultura divulgaram a programação da 28ª edição do Festival de Inverno de Garanhuns (FIG).

"Terei o maior prazer de ir ao Recife testemunhar nesse processo caso seja convocado", disse Izaías Régis à reportagem. "Concordo em número, gênero e grau com essa iniciativa. Aquilo não é um artista, não posso nem dizer o que ele é. O que fez em praça pública foi faltar com respeito ao ser maior, que é Jesus, e a toda a população presente. Ele foi de uma insanidade irreversível e imperdoável. Merece ser preso. Mas não culpo só ele, e, sim, as pessoas que o contrataram e o incentivaram a fazer isso. A culpa é da Fundarpe. O festival foi de libertinagem, não de liberdade", afirmou o prefeito, fazendo uma referência ao tema escolhido para o FIG em 2018 (a liberdade). 

Ele contou ainda que programou diversos vídeos de denúncia em redes sociais, que têm sido acessados em todo o Brasil. "Estou mandando para todas as igrejas, católicas e evangélicas, mostrando o que fizeram aqui", contou. Régis declarou que não está entrando com nenhuma providência legal contra o Governo de Pernambuco (do qual a Fundarpe faz parte). "Como sou gestor, estão dizendo que estou levando esse assunto para o lado político e não é verdade. Estou levando para o lado sagrado", completou. 

O secretário estadual de Cultura, Marcelino Granja, preferiu se pronunciar por meio de uma nota oficial, na qual, ao mesmo tempo em que lamenta a "atitude isolada de alguns artistas no Palco Dominguinhos" e pede desculpas "aos cristãos e a todos que tenham se sentido ofendidos", afirmando não concordar com tais atitudes, destaca que não é favorável à "criminalização da arte ou de artistas por suas ideias e atitudes relacionadas ao seu ofício, mesmo quando discordamos das mesmas". 

A nota critica diretamente Izaías Régis: "Não compactuamos com a irresponsabilidade pública do prefeito, pautado pelas idéias reacionárias do projeto de Temer em Pernambuco". O texto diz que Izaías "espalhou uma campanha de ódio, preconceitos e intolerância nas redes sociais, fazendo proselitismo político da oposição ao Governo, como revelou na entrevista que foi ao ar nesta segunda-feira, caindo sua máscara ao falar abertamente de eleição". 

O ator, diretor de teatro e professor da Universidade Federal de Pernambuco Rodrigo Dourado criticou o ataque. "A queixa crime é patética, tem argumentos primários. Li um trecho em que ele declara que Jesus era homem e heterossexual. Ao mesmo tempo, acho que é perigoso, junto com o discurso tendencioso do prefeito e a edição canalha que fez de trechos da apresentação de Daniela e da peça de Renata. Ele demoniza as apresentações dos artistas, descontextualiza e estigmatiza uma parcela da população, como se ela representasse o mal e os cristãos, o bem. É uma cortina de fumaça para desviar a atenção das pessoas para as reais questões, como se a degradação do Brasil fosse moral, causada pela comunidade LGBT, quando os problemas do país são outros", criticou 

Ao mesmo tempo em que se posiciona contra Izaías Régis, Dourado lamenta a postura da Fundarpe. "A nota que divulgaram foi um vexame. Não querem assumir responsabilidade. É um argumento político; estão com medo de perder o eleitorado cristão", atacou. 

A Folha de Pernambuco procurou todos os citados na notícia-crime, mas não obteve sucesso em localizar o cantor Johhny Hooker, através de sua assessoria, nem o advogado Jethro Silva Júnior, por meio do telefone fixo de seu escritório. Hooker, porém, postou narede social Twitter trechos alusivos aos momentos de tensão que vem vivendo. "Como diria Chico 'apesar de você(s) amanhã há de ser um novo dia'. Mais um dia pra lutar pelo direito de existir sendo minoria nesse país, o país do genocídio da juventude negra, do femínicidio e q mais mata LGBTs no mundo. Nunca vão nos calar", diz um deles. 

Em outro, ele aprofunda o sentimento: "Vejo tantos amigos/amigas que já perdi pro machismo, pra intolerância religiosa enraizada nessa cultura, pro preconceito.E me sinto muito sortudo de sempre ter sido rodeado do amor dos amigos/família e agora de todos vocês, que mandaram tanto amor em meio a esse horror dos últimos dias. Tive o privilégio de ter uma boa educação, de ter encontrado vazão e estímulo aos meus questionamentos sobre o mundo. Não esqueço de agradecer o valor disso um dia sequer. Acho que isso explica muito a reação contínua de 'polêmica' quando eu resolvo expor minhas opiniões e visões de mundo, desde que virei uma pessoa pública. Os tabus e os dogmas para mim foram quebrados desde cedo, convivi com muita gente de cabeça boa. Que privilégio foi ter sido criado num ambiente rodeado de artistas, lésbicas, gays, mulheres, negros, travestis. Pessoas de todos os lugares. De ter sido criado sem religião e sem toda a paranóia que isso envolve".

A reportagem também não conseguiu falar com o presidente da Ordem dos Pastores de Garanhuns e Região, pastor Osman Martins. Já o bispo da Diocese de Garanhuns, dom Paulo Jackson, e o arcebispo de Olinda e Recife, dom Fernando Saburido,preferiram não se pronunciar. A assessoria da cantora Daniela Mercury disse que não tem o que comentar sobre o caso.

Ação contra Hooker não teria base legal

A Folha de Pernambuco conversou com o advogado Plínio Nunes, que é professor universitário e doutor em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP). Ele examinou o documento da notícia-crime e ressaltou alguns pontos de interesse. "Ele acusa o cantor com base na lei do racismo, o que claramente não se aplica, e no Código Penal, no que seria um crime contra o sentimento religioso. Uma das formas de se cometer esse tipo de delito é o que a lei chama de escarnecer de alguém em razão de sua crença ou função religiosa. Ao meu ver, não cabe aí nessa situação. Ele se portou dentro do direito à liberdade de expressão, que a Constituição assegura a cada um de nós. Não vi nas palavras dele ofensa a nenhuma religião. O sentido que ele deu ali não foi no de depreciar, de forma alguma. Ele estava falando ali em defesa da peça, dentro de um contexto específico", afirmou.

"Há uma outra questão mais técnica e polêmica na própria doutrina. Há autores que entendem que a vítima, nesse caso, é a coletividade, ou seja, o grupo de religiosos que se sentem ofendidos pela zombaria. Outros entendem que é a pessoa que é objeto da zombaria. A lei fala em escarnecer de alguém vivo. No caso dos mortos, a lei garante algumas coisas, como proteção à profanação de sepultura. Mas não há crime contra a honra dos mortos. Nesse caso específico, se o objeto da fala foi Jesus, a quem ele chamou de travesti, não é uma pessoa viva. Então, não se enquadra na lei", apontou também Plínio Nunes.

O advogado ressaltou ainda que não caberia o pedido de prisão preventiva solicitado por Jethro Silva Júnior. "Pede-se prisão preventiva em caso de crimes graves, em que se justifique essa atitude. Quando a pessoa possa destruir provas, queira fugir ou intimidar testemunhas, por exemplo. Além disso, os crimes que ele diz terem sido cometidos por Johnny Hooker não permitem pena de prisão", finalizou.

Da Folha de Pernambuco

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