Escolher o próprio nome é privilégio de poucos. Pio Giannotti optou por ser Damiano, o capuchinho. Ao fazer a escolha, em 1915, não imaginava que a ele estaria reservado o Nordeste brasileiro. Nem o quanto o seu nome de missão representaria para a região, cujo conceito de lugar estava por se definir. Empurrado por mudanças na Igreja Católica, que substituiu os capuchinhos de Nápoles pelos de Lucca na tarefa de salvar almas nordestinas, o italiano miúdo aportou no Recife há 80 anos. Chegou Damiano, palavra de origem grega e significado "domador". Aportuguesaram-lhe o nome para Damião. Frei Damião de Bozzano.
Aprendendo a língua portuguesa, Damião, o recém-chegado, centrou a vida em missões religiosas. As Santas Missões. Em 66 anos de andanças pelo Nordeste, marcou vilas e cidades com sermões ortodoxos. Condenava o pecado. Combatia o protestantismo. Ameaçava os errantes com o inferno e prometia o céu a quem seguisse a religião. Em síntese, um homem preocupado com a doutrina católica. Tanta veemência o fez admirado ou rechaçado. Das críticas vieram os carimbos de conservador, apocalíptico, ingênuo. Da admiração, apóstolo, santo, místico. E homenagens em nomes de ruas, escolas e lojas.
Os adjetivos alimentaram a fama do capuchinho. Mas raras vezes a fama foi traduzidacomo no Mapa das Missões pregadas por Frei Damião de Bozzano da Custódia Provincial de Pernambuco no Brasil (1931-1949). O mapa, inédito na grande imprensa, projeta a dimensão numérica das atividades do frade. Frei Damião pregou 11.218 vezes entre Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Os sermões abriam os caminhos para os sacramentos. Foram 155.889 crismas, 5.490 casamentos, 2,3 milhões de comunhões, o equivalente a 4,3 vezes a população do Recife em 1950. Nem todas as hóstias foram entregues por ele, mas os romeiros iam às missões em busca de suas palavras e milagres.
A imagem do missionário construiu-se como mito na proporção de seus "milagres" e andanças. Fomos no rastro desses elementos. Partimos para reconstruir um caminho de oito décadas de pregações daquele que é conhecido como um dos maiores confessores do catolicismo mundial. E os herdeiros do "santo" apareciam por onde quer que passássemos. Nos 3.352 quilômetros percorridos do Sertão ao Litoral avistamos devotos fervorosos, pagadores de promessas, confessores. A sensação, em alguns recantos, era que Frei Damião ali estava. Estava sim. Na fala do povo, nas imagens de gesso, nos ex-votos, nas rezas. Mas retratado principalmente no rosto de homens e mulheres que, por "obra do destino", receberam o nome do capuchinho por batismo.
mpossível ficar indiferente às dezenas de Damiões e Damianas. Não ficamos. São eles os condutores deste caderno especial, que ganha simbolismo pelos 80 anos da viagem de Frei Damião ao Brasil, 14 anos após a sua morte. Afinal, as palavras e os silêncios desses nordestinos revelam mais do que suas próprias histórias. Sejam de pecadores ou arrependidos. Os Damiões e Damianas falam por si e nos remetem a nuances da vida do missionário. Numa ligação além da gratidão expressa por um nom. Mas também cunhada na maneira de os Damiões e Damianas viverem, encararem e reproduzirem o pensamento do frade. Foram esses os caminhos que optamos seguir. E graças a um outro caminho, iniciado pelo já Frei Damião de Bozzano, em 28 de maio de 1931, em Gênova (Itália), a bordo do navio Conte-Rosso, que desembarcaria no Recife vinte dias depois.
A partir de então, o frade percorreu até 1997, ano de sua morte, quase todos, senão a totalidade, dos 860 municípios dos cinco estados da província capuchinha. Por onde passou, fincou os princípios católicos. Atraiu seguidores. Viu o seu nome religioso ser adotado como símbolo de fé e respeito, multiplicando-se em Damiões e Damianas. E um nome, observa a especialista em nomes de pessoas Maria Valentina Dick traz um valor que vai além do próprio ato de nomeação. Os Damiões e as Damianas reforçam a tradição de que o batismo com um nome de santo traduz o sentido de proteção. Uma vez batizada, a criança não será abandonada, levando consigo não uma denominação qualquer. O nome traz características históricas e sociais de uma região a que ousamos chamar de Nordeste de Damiões.
FONTE - PERNAMBUCO.COM
Diretoria de redação: Vera Ogando
Edição: Lydia Barros
Reportagem: Jailson da Paz
Fotos: Alcione Ferreira
Design: Christiano Mascaro e Jaíne Cintra
Edição de fotografia: Heitor Cunha
Infografia e arte: Christiano Mascaro, Pedro Melo e Greg
Aprendendo a língua portuguesa, Damião, o recém-chegado, centrou a vida em missões religiosas. As Santas Missões. Em 66 anos de andanças pelo Nordeste, marcou vilas e cidades com sermões ortodoxos. Condenava o pecado. Combatia o protestantismo. Ameaçava os errantes com o inferno e prometia o céu a quem seguisse a religião. Em síntese, um homem preocupado com a doutrina católica. Tanta veemência o fez admirado ou rechaçado. Das críticas vieram os carimbos de conservador, apocalíptico, ingênuo. Da admiração, apóstolo, santo, místico. E homenagens em nomes de ruas, escolas e lojas.
Os adjetivos alimentaram a fama do capuchinho. Mas raras vezes a fama foi traduzidacomo no Mapa das Missões pregadas por Frei Damião de Bozzano da Custódia Provincial de Pernambuco no Brasil (1931-1949). O mapa, inédito na grande imprensa, projeta a dimensão numérica das atividades do frade. Frei Damião pregou 11.218 vezes entre Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Os sermões abriam os caminhos para os sacramentos. Foram 155.889 crismas, 5.490 casamentos, 2,3 milhões de comunhões, o equivalente a 4,3 vezes a população do Recife em 1950. Nem todas as hóstias foram entregues por ele, mas os romeiros iam às missões em busca de suas palavras e milagres.
A imagem do missionário construiu-se como mito na proporção de seus "milagres" e andanças. Fomos no rastro desses elementos. Partimos para reconstruir um caminho de oito décadas de pregações daquele que é conhecido como um dos maiores confessores do catolicismo mundial. E os herdeiros do "santo" apareciam por onde quer que passássemos. Nos 3.352 quilômetros percorridos do Sertão ao Litoral avistamos devotos fervorosos, pagadores de promessas, confessores. A sensação, em alguns recantos, era que Frei Damião ali estava. Estava sim. Na fala do povo, nas imagens de gesso, nos ex-votos, nas rezas. Mas retratado principalmente no rosto de homens e mulheres que, por "obra do destino", receberam o nome do capuchinho por batismo.
mpossível ficar indiferente às dezenas de Damiões e Damianas. Não ficamos. São eles os condutores deste caderno especial, que ganha simbolismo pelos 80 anos da viagem de Frei Damião ao Brasil, 14 anos após a sua morte. Afinal, as palavras e os silêncios desses nordestinos revelam mais do que suas próprias histórias. Sejam de pecadores ou arrependidos. Os Damiões e Damianas falam por si e nos remetem a nuances da vida do missionário. Numa ligação além da gratidão expressa por um nom. Mas também cunhada na maneira de os Damiões e Damianas viverem, encararem e reproduzirem o pensamento do frade. Foram esses os caminhos que optamos seguir. E graças a um outro caminho, iniciado pelo já Frei Damião de Bozzano, em 28 de maio de 1931, em Gênova (Itália), a bordo do navio Conte-Rosso, que desembarcaria no Recife vinte dias depois.
A partir de então, o frade percorreu até 1997, ano de sua morte, quase todos, senão a totalidade, dos 860 municípios dos cinco estados da província capuchinha. Por onde passou, fincou os princípios católicos. Atraiu seguidores. Viu o seu nome religioso ser adotado como símbolo de fé e respeito, multiplicando-se em Damiões e Damianas. E um nome, observa a especialista em nomes de pessoas Maria Valentina Dick traz um valor que vai além do próprio ato de nomeação. Os Damiões e as Damianas reforçam a tradição de que o batismo com um nome de santo traduz o sentido de proteção. Uma vez batizada, a criança não será abandonada, levando consigo não uma denominação qualquer. O nome traz características históricas e sociais de uma região a que ousamos chamar de Nordeste de Damiões.
FONTE - PERNAMBUCO.COM
Diretoria de redação: Vera Ogando
Edição: Lydia Barros
Reportagem: Jailson da Paz
Fotos: Alcione Ferreira
Design: Christiano Mascaro e Jaíne Cintra
Edição de fotografia: Heitor Cunha
Infografia e arte: Christiano Mascaro, Pedro Melo e Greg
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