Com o adiamento da viagem de Estado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à China, o Palácio do Planalto e os gabinetes dos ministros que iriam com o chefe do Executivo ao país asiático estão quebrando a cabeça para reorganizar a agenda desta semana. Além disso, o petista não conseguiu se distanciar dos problemas domésticos e, agora, vai ter que encarar de frente dois assuntos espinhosos que estão gerando uma crise institucional: o cabo de guerra armado no Congresso entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e o do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre a tramitação das Medidas Provisórias (MPs) e o desenho do novo arcabouço fiscal, que não tem consenso dentro do governo.
O cardiologista Roberto Kalil, que atende Lula, disse que o estado de saúde do presidente é bom e, apesar da pneumonia, ele deve trabalhar normalmente nesta semana, "apenas com alguns cuidados para auxiliar na recuperação". Portanto, a doença do chefe do Executivo será o menor dos percalços ao longo da semana, que deverá estar recheada de assuntos espinhosos e sujeita a turbulências. O ônus de criar um ministério grande para incluir aliados de partidos que ainda não estão completamente comprometidos com o novo governo é um deles. A fogueira de vaidades está acesa e, internamente, ministros que acabam tendo mais destaque na mídia são alvo de ataques de petistas. Os alvos preferidos do momento são os ministros Flávio Dino, da Justiça, e Fernando Haddad, da Fazenda, que nunca foi considerado um "petista raiz" e, segundo nota publicada no jornal O Globo, foi elogiado a empresários, nos bastidores, pelo ex-ministro da Economia, Paulo Guedes. Esses ataques estão ficando evidentes e Lula precisará aparar com conversas ao pé do ouvido dos apoiadores.
Arcabouço
O ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, sinalizou que Lula pretende aproveitar a semana para acertar os detalhes da proposta da nova regra fiscal que substituirá o teto de gastos — emenda constitucional que limita o aumento de despesas pela inflação anterior aprovada no fim de 2016 mas que, desde 2019, sofre alterações, deteriorando a credibilidade do arcabouço atual. "O presidente queria organizar, na volta da China, mais duas reuniões com ministros. Certamente o debate da nova regra fiscal vai tomar a semana, com discussões lideradas pelo ministro Fernando Haddad, da Fazenda", declarou Padilha a jornalistas, após visitar Lula no Palácio do Alvorada, no sábado. Contudo, o ministro não soube precisar quando será divulgado o novo marco fiscal.
Haddad tentou antecipar a divulgação do arcabouço fiscal para antes da viagem à China —, a fim de dar um sinal de que estava preocupado em reequilibrar as contas públicas a fim de recuperar a credibilidade junto ao mercado e ao Banco Central —, sem sucesso. Lula, contudo, preferiu postergar o anúncio para abril, quando retornasse da China, pois ainda não há um consenso sobre o assunto no governo sob o argumento de que Haddad precisaria estar aqui no Brasil para explicar a proposta. Diante da indefinição sobre que tipo de âncora fiscal o governo pretende enviar ao Congresso, o Banco Central, que vinha sofrendo pressões de Lula, de seus ministros e de apoiadores para baixar os juros na marra, decidiu manter manteve a taxa básica da economia (Selic) em 13,75% ao ano, na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), na quarta-feira. E, ainda deu um recado duro ao governo ao deixar a porta aberta para uma nova alta dos juros em vez de queda, caso as pressões inflacionárias persistem.
A expectativa é que o governo acelere a conclusão do arcabouço. Integrantes da Fazenda estimam que é possível apresentar o texto ainda nesta semana, mas a medida ainda pode sofrer alterações e precisa ser aprovada pelo presidente. Na sexta-feira, Haddad declarou que a área técnica do ministério já havia fechado a proposta. "Está tudo em ordem. Agora vamos voltar para o presidente, com as perguntas que ele fez, e é só marcar a data. A palavra final é sempre do presidente", disse.
O marco fiscal, contudo, precisará ser enviado ao Congresso Nacional para deliberação dos parlamentares, que poderão fazer alterações na proposta que precisará ser aprovada logo para ser incluída no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), cujo prazo de envio ao Legislativo vence em 15 de abril. Segundo Padilha, que será o responsável pela negociação da matéria junto ao Parlamento, o ambiente no Congresso é "extremamente positivo". Ainda não há uma sinalização forte sobre os detalhes do desenho da nova regra fiscal. Em linhas gerais, a partir do que foi declarado publicamente, Haddad quer zerar o deficit primário das contas públicas até 2024, o que requer um aperto forte nos gastos. Porém, o ministro também disse que a medida acomodará uma recomposição nos investimentos em áreas importantes, especialmente a Saúde e a Educação.
Esses dois objetivos não são compatíveis sem que o governo aponte que despesas pretende cortar, caso contrário, o aumento da carga tributária será inevitável, o que será péssimo para a imagem de um governo que ainda sequer completou 100 dias. Aliás, esse é um dos motivos para a demora na apresentação do marco é justamente o embate interno na base aliada.
O governo tenta sinalizar que ambos os lados estarão contemplados. "A nova regra vai impor limitações fiscais, mas sem reduzir o tamanho do Estado", afirmou a ministra da Gestão e Inovação do Serviço Público, Esther Dweck.
O economista Benito Salomão, professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), acredita que a discussão do novo arcabouço fiscal seria desnecessária se os governos respeitassem as regras existentes. Na avaliação dele, o governo perde tempo com a narrativa de que o teto de gastos. "O Brasil não precisa de uma nova regra fiscal. O país precisa de políticos que cumpram as regras"atuais. Com a narrativa de que o teto é inexequível e os ataques ao BC, o novo governo está criando uma crise para ele próprio", alertou. "O que parece é que o governo está absolutamente perdido e ainda não começou de fato, porque Lula nunca teve que administrar um país com restrição fiscal. Agora, a conversa é diferente. Ele precisa saber o que ele realmente pode entregar diante dos limites orçamentários", acrescentou.
Vespeiro no Congresso
O embate entre Lira e Pacheco no Congresso sobre o rito das MPs é outro vespeiro em que Lula não vai conseguir escapar nesta semana. O presidente da Câmara defende a manutenção do rito estabelecido durante a pandemia, segundo o qual a Câmara vota primeiro a medida e depois a envia ao Senado. Pacheco, porém, quer o estabelecimento de comissões mistas para a votação, como era feito anteriormente, retomando a força do Senado. (Leia mais na pág.3)
Nesse cabo de guerra do Congresso, várias medidas importantes, como a da nova estrutura do governo, estão paradas desde o início do ano e correm o risco de caducar se não forem aprovadas no Congresso em 120 dias. Na sexta-feira, mesmo doente, o petista recebeu Lira no Alvorada para tentar contornar a questão. Nos próximos dias, ele deve se encontrar com Pacheco.
O presidente do Senado determinou, na sexta, a retomada das comissões, o que foi classificado por Lira como uma "truculência". Lira anunciou que serão votadas as 13 MPs restantes do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nesta semana. Entre as medidas de Lula, incluem-se os programas Minha Casa Minha Vida, Bolsa Família e Mais Médicos. O presidente da Câmara também ameaça travar a indicação dos nomes para compor as comissões mistas, caso não haja acordo entre as duas Casas.
Ao mesmo tempo, o governo corre contra o tempo para apresentar um balanço dos primeiros 100 dias e corre o risco de apresentar resultados fracos e programas requentados para não aparecer de mãos abanando. Nesta semana, em Brasília, acontece ainda a Marcha dos Prefeitos, com presença confirmada do vice-presidente e ministro da Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB).
Acordos com chineses serão adiados
O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, afirmou, ontem, que a assinatura dos 20 acordos de cooperação entre os governos brasileiro e chinês será adiada. Os tratados seriam firmados durante a visita de Estado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à China, adiada por recomendação médica. Fávaro, porém, disse esperar que a nova visita ocorra em breve.
"Quando o governo chinês estiver preparado, estiver com agenda disponível, certamente será remarcado e a gente retorna para dar sequência à assinatura de todos os acordos", disse o ministro a jornalistas, na China. Fávaro está no país asiático desde a última segunda e é o único integrante do primeiro escalão que acabou cumprindo agenda com os chineses.
Questionado sobre possíveis prejuízos que o adiamento da viagem de Lula poderia causar, o ministro frisou que se trata de uma questão de saúde. "Não tem nada mais importante do que o presidente estar bem restabelecido, e todos os acordos que seriam assinados na terça o serão em poucos dias, logo na sequência. Não vejo grandes problemas. Não vai deixar de ter bons resultados", declarou.
Fávaro confirmou que empresários que estão no país asiático defendem a visita de Lula em maio, quando ocorre a maior feira de alimentos do país. Fávaro frisou, no entanto, que o martelo será batido pela China. "Nós não podemos dizer 'ah, em maio nós vamos aqui'. Quem define a agenda é o governo chinês. Nós vamos ter cautela, assim que o presidente Lula estiver restabelecido, a gente comunica."
Apesar do adiamento dos trabalhos governamentais, a agenda empresarial segue normalmente e, na quarta-feira, serão anunciados acordos do setor privado, o que foi classificado pelo ministro como "uma melhora da relação comercial".
Cerca de 240 empresários foram a Pequim acompanhar a comitiva presidencial, sendo mais de 110 do agronegócio. Entre os representantes do setor estão os irmãos Joesley e Wesley Batista, do grupo J&F, que controla o frigorífico JBS, e Marcos Molina, da BRF. Ao ser questionado sobre a relação de Lula com o agronegócio, um dos setores mais mais alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o ministro disse que a comitiva de empresários é sinal de que a relação é boa. "O presidente Lula tem dito que respeita muito a posição democrática de cada um para escolher seu candidato. Aqueles que entenderem que a eleição acabou e quiserem trabalhar pelos próximos quatro anos pelo agronegócio serão muito bem-vindos."
Hoje, em Pequim, o Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), em parceria com organizações chinesas, realiza um evento empresas dos dois países e contribuir para a transição para uma economia de baixo carbono.
Por Rossana Hessel e Victor Correia - Correio Braziliense
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