Maio de 2006. Uma oficial de justiça de 51 anos entregava intimações quando foi abordada por quatro assaltantes em Samambaia, a 26km do Plano Piloto. Ela reagiu. Acabou baleada na cabeça e morreu na hora. Doze anos se passaram e as ocorrências de violência contra oficiais de justiça aumentaram. Não há um monitoramento dos casos, mas as entidades que representam esses profissionais falam em alta de 25% em dois anos. Situações de agressões e assassinatos são os tipos de ataque mais recorrentes, segundo levantamento da Associação dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais de Goiás.
O mesmo documento conta 145 casos de violência entre 2000 e o ano passado. Em todo o Brasil, há 75 mil oficiais de Justiça. Eles trabalham sozinhos, vão a lugares a que nem a polícia chega, usam o próprio carro e raramente contam com algum tipo de equipamento de proteção individual, como coletes à prova de balas. A vulnerabilidade no exercício da profissão se degringolou a tal ponto que entidades da classe de todo o país têm organizado seminários e debates sobre o tema.
Nos próximos dias, Alagoas, Pará e Minas Gerais terão eventos do tipo. São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro são as unidades da Federação com mais casos de ataques (veja outros detalhes na arte). Peças-chave para o andamento das ações judiciais e servidores com fé pública, eles são os executores das ordens do juiz, mas, quando ‘fracassam’ na missão, pais não pagam pensão alimentícia, criminosos podem ser absolvidos, acusados escapam de responder pelos crimes e muitos processos param.
O panorama dos casos de violência dos últimos 17 anos mostra que, no Centro-Oeste, o Distrito Federal é o segundo colocado no ranking, com seis vítimas. Goiás lidera com sete. Em Padre Bernardo, município goiano a 110km de Brasília, uma oficial de justiça de 43 anos foi assassinada com um tiro na cabeça e teve o corpo queimado em um matagal em agosto de 2013. Cinco anos após o crime, a família ainda não digeriu a tragédia e preferiu não comentar o caso.
Porte de arma
No Senado, uma proposta de 2007 que altera o Estatuto do Desarmamento para conceder porte de arma aos oficiais de justiça está na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. O armamento divide autoridades públicas e os próprios profissionais. “Hoje não escolheria essa profissão. A gente sai e não sabe se vai voltar para casa ou em que condições vai voltar. Trabalhamos com todo tipo de processo. Isso faz com que lidemos com todo tipo de pessoa”, desabafa o diretor da Associação dos Oficiais de Justiça Avaliadores Federais, Severino Nascimento de Abreu.
Está mais perigoso, pondera Nemias Freire, presidente da Federação Nacional das Associações de Oficiais de Justiça Avaliadores Federais (Fenassojaf). “Do ponto de vista da segurança é o pior momento da profissão. Somos vítimas do tráfico, do assalto, da violência. Evitamos andar com carteira com brasão para não sermos confundidos. Antes, ele ia pendurado no pescoço”, conta o profissional com 35 anos de atuação. “Estamos discutindo o direito de porte de arma. Arma não traz segurança. É um paliativo”, pondera.“A violência é crescente e generalizada. Dos palácios de governo até as favelas ,o risco é o mesmo”, critica o diretor da Federação Nacional dos Oficiais de Justiça (Fenojus), João Batista.
“O que queremos é pelo menos condições de defesa, apoio institucional. A arma não resolve o problema, mas o que pode ser feito? Cumprir os mandados com dois colegas, uso de coletes à prova de bala?”, questiona. “Exercemos uma atividade de risco. Alguns colegas não têm condições de chamar a polícia em determinadas situações”, conclui. Na capital federal, o presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça do Distrito Federal (Sindojus-DF), Gerardo Alves Lima Filho, estima um aumento de 10% nos casos.
No ano passado, foram 11 ocorrências contra oficiais de justiça. Este ano, já são oito. “Está mais perigoso e não temos ferramentas para exercer a profissão. Muitas vezes somos vítimas do destinatário da diligência, em outras, da situação da violência de determinadas regiões. Eu trabalho com medo”, destaca.
PALAVRA DE ESPECIALISTA
Walter Ude*
“Na fronteira da violência”
Há um adoecimento entre esses profissionais. Esse é um ponto que deve ser avaliado, sobretudo refletindo as condições de trabalho. O armamento é ambíguo. Ao mesmo tempo que traz segurança, ele gera violência. Eles são profissionais vulneráveis, mas não sei se isso acaba com o problema. Cria-se uma movimentação de maior tensão. O contexto de trabalho é delicado. Eles trabalham na fronteira da violência. Os oficiais de justiça vão sozinhos, sem equipamentos e sem apoio. Uma reestruturação em condições de trabalho e uma metodologia de controle de risco seria mais eficaz que o armamento.
*professor da Universidade Federal de Minas Gerais, especialista em violência e segurança pública
Do Diário de Pernambuco
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