Aos 53 anos, uma cuidadora de idosos vivenciou um drama, após mais 15 anos de casamento. As constantes agressões praticadas pelo marido deixaram a família da vítima em alerta e levaram os parente a dar um ultimato a ela: “Ou pede medida protetiva para se proteger ou vai morrer”. A vida da cuidadora, que não terá o nome divulgado para garantir sua segurança, só mudou depois que ela tomou atitude cobrada pela família.
Ela entrou nas estatísticas oficiais da Justiça pernambucana, que constatou um aumento dos pedidos de medidas protetivas, nos últimos anos. No primeiro trimestre de 2024, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) expediu 6.675 medidas protetivas a mulheres vítimas de violência doméstica. Isso equivale a um aumento de 15%, na comparação com o mesmo período do ano passado.
Em 2023, foram concedidas pelo judiciário 5.864 ações para proteger as vítimas da violência doméstica. Nos três primeiros meses deste ano, o Estado tem uma média diária de 73 medidas protetivas expedidas. Somente em março de 2024, foram 2.297 medidas solicitadas e expedidas pelo judiciário. Isso equivale a um aumento de 9,4% em relação ao mesmo período do mês anterior. Fevereiro fechou com 2.098 solicitações.
Na comparação com janeiro, o aumento foi de 0,4%, já que naquele mês houve 2.286 medidas protetivas expedidas pela Justiça. Já nos 12 meses de 2023, o TJPE expediu 24.833 medidas protetivas, o que equivale a uma média diária de 68 solicitações.
Sofrimento
A cuidadora de idosos tem 53 anos e mora em Camaragibe, no Grande Recife. Ela aceitou conceder entrevista exclusiva ao Diario de Pernambuco, sob a condição de se manter sob o anonimato. A mulher teme sofrer mais agressões físicas, verbais, além de tortura psicológica e ameaças. Ela disse que nos momentos livres em que estava em casa era costumeiramente agredida pelo companheiro.
“As agressões começaram no ano passado. Estamos casados há mais de 15 anos e ele não tinha histórico de violência comigo. Porém, nos últimos tempos ele demonstrou agressividade e começou a tentar me colocar na condição de submissa dele. Não aceitei. E por conta disso ele começou a me ameaçar e, em seguida, começaram as agressões. Sofri bastante e fiquei calada por muito tempo, até a minha filha desconfiar e começar a me pressionar para saber o que estava acontecendo”, contou.
Ela detalhou como decidiu denunciar o marido e, posteriormente, recorrer à medida protetiva, que resultou na proibição do agressor de se aproximar dela por um perímetro de 300 metros.
“Depois de a minha filha conversar comigo por diversas vezes, eu acabei confessando tudo a ela. Daí, ela me disse: ‘ou a senhora pede medida protetiva para se proteger, ou vai morrer’. Isso me impactou e daí tomei a coragem de procurar meus direitos. Hoje, com a medida ativa, ele não pode se aproximar de mim e estamos afastados há um meses. Isso aliviou um pouco do temor que tenho, mas ainda confesso que sinto bastante medo”, contou a mulher.
O que é uma medida protetiva
As medidas protetivas de urgência ou apenas medidas protetivas são as providências que deverão ser tomadas pelo judiciário quando a corte é informada de um caso de violência doméstica. O instrumento deve ser solicitado quando a vítima estiver sofrendo algum tipo de violência causada pelo companheiro, namorado, parentes e por pessoas, que independente de serem da família, estejam morando com a vítima.
Como pedir
Inicialmente, após a agressão, a vítima deve se encaminhar para a Delegacia da Mulher da cidade onde reside. Se a mulher violentada estiver receosa de ir sozinha, é sempre aconselhável pedir a ajuda de alguém para acompanhá-la. É importante que a vítima leve todos os documentos que comprovem a agressão. Documentos como fotos, laudos médicos, vídeos, poderão ser úteis para comprovar o fato.
Em alguns casos, a autoridade policial pode conceder medida protetiva sem a necessidade de passar pelo judiciário. Mas, na maioria dos casos, a Justiça é acionada e um juiz (a) de Direito para expedir a medida.
Violência dentro de casa
A violência doméstica sofrida pela cuidadora é uma realidade vivida por milhares de mulheres no Brasil. São cicatrizes que vão além de marcas no corpo, podendo até matar, em muitos casos. Além disso, os traumas são por muitas vezes irreparáveis. Em Pernambuco, o mês de abril é marcado como o período de conscientização e combate ao feminicídio, que acontece quando a mulher é morta por uma questão de gênero.
Em 2017, o dia 5 de abril passou a ser marcado como o Dia Estadual de Combate ao Feminicídio. A lei que institui a data foi sancionada pelo Governo do Estado como um marco para a necessidade da atenção para o combate à violência contra a mulher.
O dia também foi instituído para homenagear a vitoriense Mirella Sena, morta naquele dia por um vizinho, em Boa Viagem, na Zona Sul do Recife. Essa realidade também fica exposta em estatísticas contabilizadas pelo governo.
No primeiro trimestre deste ano, Pernambuco registrou 17 feminicídios. Foram três casos a menos dos contabilizados no mesmo período de 2023, quando foram somadas 20 ocorrências.
O Estado já contabilizou no primeiro trimestre um total de 17 feminicídios (Foto: Rafael Vieira/DP )
Nos 12 meses do ano passado, o Estado contabilizou 81 feminicídios, o que equivale a uma média mensal de seis casos. E antes mesmo de chegar a matar, a violência doméstica se torna um problema em muitos lares pernambucanos. E a medida protetiva ainda é o principal instrumento de proteção à mulher vítima de violência.
Dados
Segundo dados do próprio governo, Pernambuco registrou uma média diária de 150 casos de violência doméstica contra mulheres no primeiro trimestre de 2024. Ao todo, foram notificadas pelo Governo do Estado mais de 13 mil ocorrências entre janeiro e março. Segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS), em março de 2024, o Estado contabilizou 4.869 ocorrências de violência doméstica e familiar contra mulheres.
Isso equivale a uma média diária de 157 casos, notificados nos 31 dias do mês. Isso também representa um aumento de 14,7% se for comparada ao mês anterior. Em fevereiro deste ano, Pernambuco contabilizou 4.243 crimes desse tipo. Na comparação com as ocorrências registradas em janeiro deste ano, o aumento foi de 5,7%. O primeiro mês de 2024 teve 4.605 casos. Ao todo, nos três primeiros meses de 2024, o Estado contabilizou 13.717 ocorrências de violência contra as mulheres. Além disso, março registrou 626 casos a mais do que o mês anterior. Em fevereiro, foram registrados 4.869 casos. Em janeiro, foram 4.243 ocorrências.
Tornozeleiras
Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização (SEAP), de janeiro a até abril deste ano, já foram ativadas 649 tornozeleiras eletrônicas em suspeitos de cometer violência doméstica.
Isso significa 25,2% do total de demandas do Centro de Monitoramento Eletrônico de Pessoas (Cemep), que já contabilizou nos primeiros quatro meses de 2024 um total de 2.576 ativações dos equipamentos eletrônicos no Estado, em diversas modalidades.
A pasta explicou que nos casos em que as regras da monitoração são descumpridas, o Cemep faz as devidas comunicações ao Poder Judiciário e aciona a Polícia Militar para providências cabíveis.
Uma dessas medidas é a expedição de mandado de prisão pelo Judiciário pelo descumprimento da medida protetiva.
Análise
Com o aumento nas solicitações de medidas protetivas no primeiro trimestre em comparação com o mesmo período do ano passado, a coordenadora da Mulher do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), desembargadora Daisy Andrade Pereira, disse que existem dois cenários que refletem esse aumento.
“Na verdade, podemos associar dois fatores. Um de imediato é imaginar que essa violência está crescendo. E o outro a gente pode analisar que as vítimas se encorajam cada vez mais para procurar a Justiça. Eu acho que os dois vieses são respostas que se associam exatamente às campanhas que nós fazemos, que se encorajem, quebram o silêncio e não se calem. Justamente as campanhas que nós do TJPE fazemos de encorajar as mulheres para procurar a Justiça, porque de fato, a medida protetiva protege elas”, avaliou a magistrada.
A coordenadora da Mulher do TJPE, a desembargadora Daisy Andrade Pereira, fez uma análise sobre as medidas protetivas (Foto: Divulgação/TJPE )
Ainda segundo Daisy, as medidas protetivas são o principal instrumento para a mulher vítima de violência doméstica se proteger de seus agressores.
“Com a medida protetiva a gente salva essa mulher vítima de violência. Mas é claro que há casos que há a fatalidade, mas o paralelo sempre combina com quando a mulher tem uma medida protetiva, ela se protege literalmente. É um instrumento legal que não necessariamente existe uma sanção penal. A mulher pode procurar a medida protetiva e depois ela não denunciar o agressor, dependendo do caso. Porque ela só quer uma proteção. A medida protetiva é de natureza híbrida, que significa que pode ser usada tanto na área cível, como na penal. A medida protetiva também tem uma natureza autônoma, podendo caminhar sozinha sem ter um processo penal. Então, quando a gente analisa o panorama da Justiça entre o número de medidas protetivas e o número de ações penais, ela sempre é maior (medidas protetivas)”, destacou a desembargadora.
A coordenadora ainda explicou quais são os procedimentos caso um homem descumpra a medida protetiva.
“Quando o homem descumpre a medida protetiva, a Justiça precisa ser prontamente comunicada. Porque daí já nasce um outro crime cometido por ele, que foi incluído na Lei Maria da Penha que é o descumprimento de medida protetiva, o 24A. Na hipótese do agressor estiver com o equipamento de monitoramento, esse descumprimento ele é imediatamente descoberto pelo centro de monitoramento, percebendo que o suspeito invadiu uma área de exclusão. O centro entra tanto em contato com a vítima, quanto o agressor. Daí o encaminhamento do relatório é encaminhado ao juiz de Direito, ou se for em segunda instância, um desembargador. Há casos em que a medida é um mandado de prisão. No caso da violência doméstica, o monitoramento é feito por uso de tornozeleira eletrônica, e a mulher também recebe um dispositivo chamado de RPA, onde ela leva junto com ela, para que ela seja protegida. Agora, importante esclarecer, que esse equipamento não monitora a vítima, e sim o agressor que está sendo monitorado”, explicou a desembargadora.
O que diz o governo
A reportagem do Diario de Pernambuco procurou a Secretaria da Mulher (SecMulher) para saber quais investimentos e políticas públicas o Governo do Estado está tomando para o combate à violência contra a mulher.
A secretária Mariana Melo, destacou que a redução de 15% nos casos de feminicídios registrados no primeiro trimestre de 2024 em comparação com o mesmo período do ano passado, é fruto de ações públicas investidas pelo Poder Executivo.
“O nosso trabalho é de campanha, articulação e integração com todos os poderes e secretarias que atuam no combate a violência. O número de redução já demonstra que este é o caminho que temos que seguir. É um trabalho contínuo. Nós entendemos que não é algo que acontece do dia pra noite, mas entendemos que é o resultado de ações contínuas que estamos tomando. Como o exemplo da Operação Átria, em conjunto com a SDS, que ocorreu em março, quando a capacitação de 350 policiais, entre militares e civis, para um melhor acolhimento à mulher vítima de violência. Se as mulheres não se sentirem seguras para denunciar, ela sequer chega a uma delegacia. A gente sabe que nós vivemos em uma cultura muito machista, então as mulheres sentem que se não houver um atendimento humanizado, não vai adiantar fazer uma denúncia, ela não desencoraja. Então treinando esses policiais, a gente fortalece essa rede de proteção para que as mulheres tenham esse empoderamento e dessa maneira se sintam mais encorajadas a denunciar. Quanto mais as mulheres denunciarem e estiverem nessa rede de proteção, menos vítimas de feminicídios terão. A gente entende que a preservação é a melhor forma”, destacou a gestora, acrescentando que a Operação Átria alcançou mais de 20 mil pessoas em Pernambuco, sendo efetuadas 198 prisões e 8 apreensões de menores. Além disso, foram emitidas 160 medidas cautelares para garantir a segurança das mulheres em situação de vulnerabilidade.
A secretária da Mulher, Mariana Melo, detalhou as ações que o governo estadual para o combate a violência doméstica (Foto: Sandy James/Arquivo DP )
Ainda segundo ela, para 2024, dos R$ 26 milhões destinados este ano, destes, R$ 14,3 milhões serão exclusivamente injetados para o investimento direto em ações de desenvolvimento de políticas públicas para as mulheres.
“Também trabalhamos com ações junto aos municípios. Além de nós termos o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, que tem reuniões mensais, a gente também tem os conselhos nos municípios. Atualmente são 100 conselhos e no mês de março fizemos por meio da Gerência de Operação Sócio Política, nós tivemos uma formação para os municípios, para que eles possam criar os seus conselhos da Mulher. E aquelas (cidades) que já tem esse conselho, nós fortalecemos o trabalho das conselheiras. Entendemos que cada território tem suas demandas. Por isso que é importante esses colegiados para que se discuta os direitos das mulheres. Entendemos que quando vivemos em uma cultura muito machista, a questão não se muda sem educação. Então isso é um dos pontos fortes do nosso trabalho de prevenção”, destacou Mariana Melo.
Segundo ela, a SecMulher está em constante negociações com a SDS para a ampliação de mais Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM). E, além disso, a gestora destacou que uma das principais apostas da gestão da governadora Raquel Lyra (PSDB), é a criação de um Observatório da Mulher, que colherá dados sobre ações e estudos que estão sendo realizados por outras secretarias do Estado. Esse instrumento deve sair do papel até o final do mandato de Lyra, em 2026, segundo a secretária.
O que diz a sociedade civil organizada
A equipe do Diario entrevistou Izabel Santos, coordenadora-geral do Centro de Mulheres do Cabo (CMC),um dos movimentos sociais mais atuantes no ativismo do feminismo em Pernambuco. Para ela, o Governo do Estado não investe em políticas públicas para a prevenção e combate ao feminicídio.
“É muito triste que nós da sociedade civil, a gente não vê muitas ações de políticas públicas por parte do governo e os casos de feminicídio continuam aumentando. A gente fica muito preocupada, porque o aumento de casos de violência contra a mulher é uma questão de ausência de ações, que acarreta nessa evolução de ocorrências. Acredito que ainda há falhas dos governos como um todo. Os municípios não investem em políticas de proteção a mulher, e no do Estado, esperávamos que fosse melhor com a presença de uma governadora, mas a gente não tem visto muito avanço no enfrentamento da violência. A Secretaria da Mulher não mostrou a que veio,foi entregue à sociedade um plano de políticas públicas à mulher. E aí a gente fica à mercê de toda a questão da cultura do machismo”, avaliou a militante.
A coordenadora-geral do Centro de Mulheres do Cabo (CMC) fez críticas a falta de políticas públicas à favor das mulheres no Estado (Foto: Divulgação/CMC)
Izabel ainda acrescentou: “Nós, da sociedade civil, fazemos a nossa parte, mas se todos os atores não se moverem, essa questão não vai arrefecer. No mês de combate ao feminicídio foram poucas ações pautadas pelos governos para diminuir esse tipo de violência contra a mulher. A gente percebe que há essa carência. Os próprios equipamentos de proteção estão sucateados. A governadora (Raquel Lyra) prometeu entregar todas as delegacias da mulher em regime de 24 horas, mas sabemos que esse regime de plantão só funciona nas unidades da Região Metropolitana, e as dos Interior do Estado não adotam esse regime, tampouco no final de semana, que é quando acontece mais casos de violência contra a mulher. Preciso discutir mais sobre a violência, sobre o feminicídio”
Por Wilson Maranhão - Diário de Pernambuco
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