"O meu sangue é negro, mas minha alma é de barro”. Essa é uma das mais marcantes frases de um dos maiores ícones do artesanato pernambucano, a ceramista Ana Leopoldina dos Santos, conhecida como Ana das Carrancas, que estaria completando o seu centenário hoje. Pernambucana nascida no município de Ouricuri, a artesã foi pioneira no artesanato com barro e sua história de superação marcou a arte do Nordeste até hoje, ganhando cada vez mais notoriedade à medida que os anos passam. Recebendo em 2006 o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco, além de diversas homenagens a nível estadual e nacional, ela faleceu em 2008, aos 85 anos, e deixou um legado de transformação na realidade de sua família com seu trabalho cuja importância vem sendo difundida e conhecida além de suas fronteiras.
Mulher negra e sertaneja, Ana passou por um período de muita dificuldade até encontrar sua forma de sustentar a família por meio das esculturas de carrancas feitas no barro, inspiradas nas carrancas de madeira que via nas embarcações. Com a evolução das obras, as figuras ganharam uma definição cada vez mais característica, que chamava atenção sobretudo pelos olhos vazados em homenagem a seu marido, Zé Vicente, que era deficiente visual e ajudava amassando o barro.
Na ocasião dos 100 anos de Petrolina, o professor e escritor Emanuel Andrade descobriu a beleza do trabalho da artesã e se aproximou bastante de sua família,tornando-se amigo e conhecendo a casa onde Ana morava e realizava seu trabalho. Pouco tempo depois, ele lançou o livro reportagem A Dama do Barro, que conta a história dela desde a sua origem e promete ganhar uma nova edição este ano, no mês de setembro.
“O sonho dela, na época que a conheci, era ter o seu próprio centro de arte, com um espaço melhor para produzir, e as matérias realizadas pelos veículos da imprensa no período do centenário da cidade ajudaram a difundir a sua imagem e sua obra, que passou a ser identificada e valorizada para além do circuito cultural de sua cidade. Ela era uma guerreira e acima de tudo uma grande vencedora”.
Responsáveis por manter o legado de Ana das Carrancas, Maria da Cruz e Ângela, filhas da artesã ,tocam juntas o centro de arte que recebeu o seu nome artístico, localizado em Petrolina, e são convidadas todos os anos para a Fenearte, no Recife. Maria ajudou durante muito tempo sua mãe no trabalho e contou ao Viver sobre suas memórias com ela e as principais lições que levou para a vida. “O maior ensinamento que minha mãe me deixou foi o respeito pelas pessoas como prioridade e o amor acima de todas as coisas. Ela era realmente uma mãe muito à frente do seu tempo, pois eu via a forma agressiva com que algumas pessoas próximas tratavam seus filhos, ainda mais em situação econômica tão difícil, mas ela sempre foi meiga e superava as dificuldades com muita fé e sorriso nos lábios”, recordou.
“Outro dia me perguntaram se nós tínhamos guardada a primeira peça dela e eu fui logo dizendo que quando a minha mãe começou a fazer as carrancas era por uma questão de sobrevivência, então tudo tinha que ser vendido logo. Ela nunca imaginava chegar aonde chegou e eu conto toda a história dela e da nossa família com muito orgulho porque hoje, com o centro de artes e o esforço do nosso trabalho, vivemos numa condição totalmente diferente. Hoje a minha maior preocupação é em passar adiante tudo aquilo que a minha mãe me ensinou e é o que fazemos”, completou.
Por André Guerra - Diário de Pernambuco
Foto - Frede Jordão Divulgação
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