De depressão a epilepsia, esclerose múltipla a dor crônica, fobia a cólica menstrual — nunca a ciência avançou tanto nas descobertas das propriedades medicinais da cannabis, a planta da maconha. Estima-se que os efeitos do canabidiol, substância encontrada em pequeno volume no caule e na folha da erva, estejam sendo testados em pelo menos 20 doenças em grandes centros de referência ao redor do mundo. Um dos trabalhos mais extraordinários é brasileiro. Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, identificaram a ação terapêutica do composto no burnout, a síndrome do esgotamento profissional.
Publicado na revista JAMA, da Associação Médica Americana, o trabalho avaliou 120 profissionais da saúde da linha de frente da resposta à Covid-19. Doses diárias de 300 mg do medicamento reduziram sintomas de fadiga emocional em 25% nos voluntários, depressão em 50% e ansiedade em 60%.
"Estamos avaliando, em parceria com o Instituto de Psiquiatria da USP de São Paulo, o efeito do canabidiol na prevenção das consequências neurológicas e médicas gerais da infecção por coronavírus — afirma o líder da pesquisa, o psiquiatra José Alexandre Crippa".
Os cientistas descobriram que ácidos do canabidiol têm a capacidade de se ligar à proteína Spike, a estrutura que o coronavírus usa para entrar nas células. Com isso, os compostos de cannabis poderiam evitar a infecção. O trabalho, publicado no Journal of Natural Products, foi desenvolvido em laboratório e ainda precisa passar por novas etapas, como testes em seres humanos.
"Existe um enorme potencial terapêutico levantado por estudos pré-clínicos, dos quais, inclusive, participo. As pesquisas em laboratório levantam a possibilidade de essas substâncias, em especial o canabidiol, terem um leque mais amplo de potencialidades terapêuticas. É necessário um volume maior de ensaios clínicos para poder se afirmar que desses efeitos realmente existem", explica o professor de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP) Francisco Guimarães.
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No Brasil são 14 remédios autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Santária (Anvisa) — três deles validados há apenas uma semana. Eles só podem ser usados frente a receita médica do tipo B (azul), a mesma usada com psicotrópicos.
O número de produtos, no entanto, pode aumentar nas próximas semanas. Dados da Anvisa mostram que há cinco pedidos em análise de produtos e quatro em exigência. Outros três ainda devem começar a ser avaliados.
"Vejo, a médio prazo, a fundamental necessidade de os ensaios clínicos demonstrarem a eficácia e a segurança para diferentes condições. O canabidiol não é uma bala de prata, uma panaceia. Ele precisa ser indicado para cada uma das condições com dosagem adequada que apenas os ensaios clínicos podem trazer", afirma o psiquiatra Crippa, docente de Neurociências da FMRP da USP.
"Vejo nesse sentido, um avanço desses ensaios clínicos, monitorados pela Anvisa, para que possam chegar até o SUS e ser distribuído para toda a população".
Procurado pelo GLOBO, o Ministério da Saúde afirmou que “no momento, não há solicitação em aberto para avaliação do canabidiol na Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec)”. O órgão técnico é responsável por incluir novas terapias, medicamentos e tratamentos na rede pública.
O canabidiol (CBD) só deixou a lista de substâncias proibidas pela Anvisa e passou a ser autorizado como medicamento controlado em janeiro de 2015. A aprovação do primeiro medicamento veio em 2017, indicado para tratar espasmos prolongados decorrentes de esclerose múltipla.
Usar o composto é completamente diferente de consumir a droga. "Quando uma pessoa usa um preparado a partir da planta, usa uma mistura de cerca de 500 compostos químicos presentes na planta", diz Guimarães.
Na sua forma natural, a maconha é uma das drogas menos viciantes. No últimos dez anos, porém, a erva passou a ser manipulada de modo a conter uma quantidade maior de THC, o composto que dá o “barato” da droga. A era de menos de 1% de THC na década de 60 e hoje chega a ser trinta vezes maior.
Tida como inofensiva por muitos, a ação da maconha no cérebro do adolescente pode ser devastador. Estudo conduzido na Universidade de Montreal, no Canadá, mostrou que o uso de maconha por adolescentes aumenta diretamente o risco de desenvolvimento de psicose.
O consumo na adolescência interfere no desenvolvimento do cérebro, que fica com áreas do córtex pré-frontal mais finas (um efeito que geralmente só se manifesta na velhice).
Fonte - Agência O Globo
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