Apesar da perda de popularidade, o presidente Jair Bolsonaro pretende marcar a comemoração dos 1.000 dias de governo com uma série de eventos e inaugurações para mostrar que o governo trabalha incansavelmente para superar as dificuldades — percebidas pela população na forma de disparo da inflação, com aumento nos preços dos combustíveis, da luz e do gás de cozinha, além do desemprego e dos juros em rota de subida. Para turbinar a ideia de se construir um momento virtuoso, o Palácio do Planalto divulgará um compilado de informações com análises positivas da atuação do presidente. Haverá destaque para o avanço da vacinação contra a Covid-19, obras de infraestrutura e a promessa de ampliação do Bolsa Família, além de propostas para a retomada econômica e reforço no discurso anticorrupção.
Mas a ideia de fazer com um só limão uma limonada parece improvável, pois, nos quase dois anos e 10 meses de governo, o país teve de lidar com a piora em uma série de indicadores econômicos e foi duramente atingido por uma pandemia que deixou quase 600 mil mortos. Bolsonaro é apontado como o principal responsável por esses cenários, tanto que enfrenta uma rejeição cada vez maior entre a população.
Enquanto candidato, Bolsonaro chegou a afirmar no seu plano de governo que uma das estratégias, caso eleito, seria a de “adotar as mesmas ações que funcionam nos países com crescimento, emprego, baixa inflação, renda para os trabalhadores e oportunidades para todos”. Contudo, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a realidade é bem diferente: são pelo menos 14,4 milhões de pessoas sem trabalho e, em 12 meses, a inflação bate na casa dos 10%.
Essa alta da inflação é puxada, principalmente, pelos preços dos combustíveis e do gás de cozinha. Em 12 meses, a gasolina acumula alta de 31,09%, o etanol de 40,75%, o diesel de 28,02% e o botijão de 13kg, de 31,7%. Os alimentos também estão mais caros, sobretudo os da cesta básica: entre setembro do ano passado e agosto deste ano, por exemplo, o valor do arroz subiu 32,68%, o da carne, 30,77%, o do café, 22,54% e o do açúcar, 37,74%. Há, ainda, a crise hídrica, que empurrou a conta de luz para as alturas
O presidente vem sendo cobrado por conta da carestia e há um sentimento de que ele não tem se empenhado para tomar atitudes que revertam o quadro atual. Mesmo assim, na semana passada, ao discursar na 76ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), apresentou uma versão do Brasil aos demais chefes de Estado, colocando o país como uma das melhores economias emergentes do mundo e jogando a culpa da inflação em governadores e prefeitos que adotaram medidas de isolamento para tentar impedir o avanço da Covid-19.
Cenário difícil
Segundo parlamentares, no entanto, qualquer discurso do governo não será capaz de alterar o atual cenário. A avaliação no Congresso é de que Bolsonaro não pode virar as costas para a realidade do Brasil e pintar um quadro que não existe.
“O país vive uma inevitável e grave escalada da inflação. A elevação dos preços se reflete diariamente no consumo das famílias brasileiras. Estamos diante de um processo inflacionário, acompanhado de estagnação econômica. O emprego se esvai por completo. Há 17 milhões de pessoas desempregadas (pelos cálculos oficiais são 14,4 milhões) no Brasil. Só há uma saída para isso: desenvolvimento econômico”, cobra o deputado Otavio Leite (PSDB-RJ).
Na mesma linha, o deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA) diz que Bolsonaro precisa dar uma resposta urgentemente. “Nós temos um país com os maiores índices de inflação, com a economia estagnada, sem crescimento, com o índice de desemprego nos maiores patamares, com 19 milhões de brasileiros sem segurança alimentar. Além disso, não há investimento público nem privado. O Brasil está se desindustrializando. Portanto, a realidade é a tragédia da carestia. A cesta básica subiu mais de 30%”, comenta.
“Os nossos inimigos são evidentes e claros. É o desemprego, é a fome, é a miséria, é a inflação. Nesse sentido, nós temos que juntar forças para vencê-los e fazer com que o Brasil volte a crescer”, acrescenta o deputado Darci de Matos (PSD-SC).
Melhorias
Na base governista, porém, a visão é bem diferente. O deputado Major Vítor Hugo (PSL-GO), ex-líder do Palácio do Planalto na Câmara, garante que os primeiros anos da gestão do presidente foram excepcionais e que o governo tem muito a comemorar. Ele cita a reforma da Previdência, o Acordo de Alcântara, a proposta de emenda à Constituição (PEC) do Orçamento de Guerra e o auxílio emergencial como importantes feitos.
“Conseguimos preservar os empregos dos brasileiros e salvar vidas, contratamos milhões de vacinas. Os desafios principais do governo foram plenamente alcançados na relação com o parlamento e no enfrentamento da pandemia nesses mais de dois anos. Avançamos na infraestrutura, leilão de portos e aeroportos, construção de pontes e ferrovias. O governo tem muito do que se orgulhar e vai avançar muito mais com a reforma tributária e administrativa”, observa.
Ele lembra que o presidente é bem recebido nas cidades por onde passa, o que mostra que a popularidade dele não é tão baixa assim como apontam as pesquisas. “Em 2018, falava-se que ele não avançaria, que desidrataria, que não passaria do primeiro turno — e, em todas as situações, venceu. Tenho plena consciência de que o governo vai seguir em frente. O Brasil segue firme para tentar equilibrar as necessidades de desenvolvimento econômico e a necessidade de preservação do meio ambiente”, diz.
Momento ruim
“Os cidadãos comemorarão os 1.000 dias com um banho rápido e com as luzes apagadas. Quando o presidente assumiu, a situação fiscal já era difícil e a pandemia a agravou. O aniversário cai em um péssimo momento. As crises institucional, econômica e social estão entrelaçadas”, afirma o diretor-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco.
Ele lembra que “privatizações, reformas, cortes de subsídios e outras medidas aguardadas pelo mercado caminham a passos lentos” e comenta que o governo precisa agir para mudar esse quadro. “As expectativas também não são favoráveis. Há incertezas geradas pelo comportamento permanentemente conflituoso do próprio presidente com os outros Poderes. A ânsia pela reeleição ameaça a responsabilidade fiscal. Esses fatos não contribuem para a estabilidade e para a previsibilidade que os agentes econômicos desejam. Dessa forma, as consequências são a queda da Bolsa, a alta do dólar, a inflação ascendente, os juros futuros subindo, a fuga de capitais, os investimentos postergados e o desemprego”, alerta.
Castello Branco tem dúvidas se o presidente conseguirá contornar essas dificuldades investindo em programas populistas, como o Auxílio Brasil, e outros dirigidos a segmentos que fazem parte de sua base eleitoral — como policiais e militares.
Queda atrapalha virada no jogo
Pesquisa feita pelo banco Modalmais e consultoria AP Exata, divulgada na última sexta-feira, aponta que a reprovação do governo voltou a ultrapassar a marca dos 50 pontos percentuais. Segundo a sondagem, enquanto o índice de pessoas que avaliam a gestão Bolsonaro como bom ou ótima é de 26,9% (queda de um ponto em relação à semana anterior), as que consideram ruim ou péssima somam 50,3% (0,9%. ponto a mais) — as que dizem que o governo é regular ficaram em 22,8% (0,1% ponto a mais). Para a pesquisa, há uma tendência de piora na imagem da gestão de Jair Bolsonaro.
Périplo para marca não passar em branco
Para celebrar os 1.000 dias de governo, e dependendo do resultado do teste para a Covid-19 ao qual o presidente Jair Bolsonaro se submeterá, a princípio estão marcados os seguintes eventos:
» Dia 27 – Cerimônia no Palácio do Planalto, quando o governo completa quase três anos de gestão.
» Dia 28 – O ministro das Comunicações Fábio Faria inaugura, em Mossoró (RN), a conexão via satélite que entregará internet banda larga gratuita, por meio do programa Wi-Fi Brasil. Durante o evento, Bolsonaro fará participação ao vivo, mas em videochamada. Neste dia, a expectativa é de que o presidente viaje a Teixeira de Freitas (BA), onde deverá entregar 10 km de asfalto. Na sequência, segue para Teotônio Vilela (AL), onde participará de outro evento.
» Dia 29 – Previsão é de que Bolsonaro desembarque em Boa Vista (RR), onde assinará o contrato de concessão dos aeroportos do Bloco Norte.
» Dia 30 – Presidente deverá estar em Belo Horizonte, onde visitará uma estação de metrô acompanhado do ministro de Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho.
» Dia 1º de outubro – No último dia da celebração dos 1.000 dias, previsão é de que Bolsonaro se divida em duas agendas: em Anápolis (GO), onde estará para a assinatura do contrato de concessões de BRs; e Maringá (PR), para solenidade de inauguração das obras de ampliação da área operacional do aeroporto local.
Plano B é tentar uma cadeira no Congresso
A pouco mais de um ano das próximas eleições, crescem, nos corredores do poder em Brasília, rumores de que o presidente Jair Bolsonaro pode desistir de concorrer à reeleição para disputar uma cadeira na Câmara ou no Senado. Seria um plano B, discutido entre o Planalto e aliados, para o caso de avaliações internas apontarem que ele não teria condições de passar para o segundo turno da disputa. Parlamentares ouvidos pelo Correio confirmam essas conversas, que envolvem também uma suposta preocupação do chefe do governo — alvo de inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — em manter o foro privilegiado.
O cenário político tem se mostrado desfavorável ao projeto de reeleição — confirmado na entrevista que concedeu à revista Veja, que circula desde sexta-feira — que Bolsonaro acalenta desde a posse na Presidência. A opção do presidente de não descer do palanque o levou a adotar posições que lhe custaram caro em termos de popularidade. Entre os exemplos estão uma postura anticiência na pandemia da Covid-19 — que o levou a ser criticado pelo prefeito de Nova York, Bill de Blasio, e de ter se tornado razão de piada nos populares programas de Jimmy Fallon e de Jimmy Kimmel, na TV norte-americana — e certos comportamentos que destoam das promessas que fez na campanha, como as de acabar com a “velha política” e fazer um combate ferrenho à corrupção.
Segundo relatos que circulam no meio político, o Planalto passou a considerar a adoção de um plano B para Bolsonaro ante a dificuldade do governo para entregar resultados positivos à população, afetada por problemas como desemprego recorde, inflação em alta, aumento da pobreza e violência. A meta de turbinar programas sociais como o Bolsa Família, por exemplo, que poderia ajudar a recuperar a popularidade do presidente, está ameaçada pelos R$ 89 bilhões que devem ser pagos, em 2022, na forma de precatórios — dívidas da União reconhecidas pela Justiça.
A pouco mais de um mês para os últimos depósitos do auxílio emergencial, a equipe econômica ainda sequer conseguiu encontrar uma solução, junto ao Congresso, para honrar os débitos judiciais sem descumprir o teto de gastos — dispositivo constitucional segundo o qual o valor de despesas e investimentos da União deve ser o mesmo do ano anterior, corrigido pela inflação.
Conforme as versões que circulam no Congresso, o presidente, caso venha a desistir da reeleição, poderia disputar um mandato de deputado ou senador para, se eleito, formar uma base conservadora forte, de oposição ao futuro governo. A estratégia visaria também a manter a prerrogativa de foro de Bolsonaro, atualmente investigado em cinco inquéritos no STF e no TSE. Dois deles se referem às ameaças feitas pelo chefe do Executivo à realização das próximas eleições.
O presidente enfrenta uma tendência de queda nos índices de aprovação, ao passo que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desponta como favorito para vencer a corrida ao Planalto, em 2022. Nos últimos meses, em reação, o inquilino do Planalto tem reforçado o discurso polarizado contra a esquerda, o mesmo que embalou sua vitória em 2018. A última vez que fez isso foi durante o discurso de abertura da 76ª Assembleia Geral das Nações Unidas. Porém, essa estratégia tem se mostrado suficiente apenas para manter o apoio dos bolsonaristas radicais — cerca de 25% do eleitorado, entre evangélicos, policiais, militares, caminhoneiros, produtores rurais e antipetistas.
Aliado de primeira hora de Bolsonaro, o deputado Bibo Nunes (PSL-RS) classificou como “boatos” as conversas que circulam no Congresso sobre a possibilidade de o presidente desistir da reeleição. “Já ouvi (os rumores) e a chance, curto e grosso, de o presidente Bolsonaro não concorrer é menos mil. Isso são vozes maldosas para tentar desestabilizar. Eu ouvi isso, mas não confirmo porque é boato. É menos mil, não é zero. É menos mil por cento”, diz o aliado.
Um parlamentar que pertence ao Centrão — grupo de partidos que negociaram cargos com o governo em troca de apoio no Congresso — confirma, reservadamente, que têm sido frequentes os relatos de que Bolsonaro pode vir a desistir de concorrer à reeleição. Segundo ele, é grande entre aliados do Planalto a preocupação com o ambiente desfavorável ao presidente. O congressista, porém, não acredita que o bloco político venha a abandonar o governo.
“O Centrão não vai desembarcar de ninguém. O Centrão vai no velório, carrega o caixão no cortejo, chora na beira da cova, mas não pula para dentro do caixão. Então, o Centrão, e eu estou dizendo isso inclusive no meu partido, vai ficar no governo até os 45 minutos do segundo tempo. Porque depende muito dessa relação fisiológica do poder, de cargos, emendas”, reconhece o congressista.
Segundo ele, “mesmo os partidos que se colocam num outro campo eleitoral não abandonam o governo no Parlamento, como MDB, PSD, Cidadania, PSDB, DEM, porque essa relação é muito fisiológica”. “Então, eles vão ficar até o último dia. Lembre-se que os partidos do Centrão dormiram no governo da (presidente) Dilma (Rousseff, do PT) e acordaram no governo (do presidente Michel) Temer (MDB)”, completou.
Sinais
Em julho, durante conversa com apoiadores, em frente ao Palácio da Alvorada, Bolsonaro admitiu que poderia não disputar a reeleição. “Entrego a faixa para qualquer um, se eu disputar a eleição”, disse o presidente, na ocasião. “Se eu disputar, eu entrego a faixa para qualquer um. Agora, participar de uma eleição com essa urna eletrônica…”, continuou o mandatário, quando estava no auge da pressão pela adoção do voto impresso, que levou o país à beira de uma ruptura institucional.
O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), afirma que a decisão de concorrer a uma eleição é de caráter personalíssimo para qualquer político. Porém, ele avalia que Bolsonaro está cada vez mais inviável eleitoralmente.
“Acho que está dentro de uma tempestade perfeita do ponto de vista eleitoral. Os índices de popularidade dele são cada vez menores. Ele não tem um partido até agora para disputar a eleição e parece absolutamente incapaz de desmontar essa bomba, que é a crise econômica hoje”, afirma. “Desemprego alto, fome alta, inflação alta, juros altos e uma pandemia que ainda não acabou. Então, eu acho muito difícil ele se viabilizar eleitoralmente, em meio a essa tempestade perfeita”, acrescenta Ramos.
O cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa, diz que as versões sobre uma possível desistência de Bolsonaro começaram antes mesmo da declaração feita pelo chefe do Executivo a apoiadores em julho. “Esses relatos já vêm circulando há um bom tempo. Parlamentares com os quais tenho conversado dizem que, até mesmo internamente, na cúpula do governo, a avaliação é de que Bolsonaro hoje é um candidato disfuncional, não competitivo para chegar com força em 2022”, assegura.
O cientista político prevê que, caso Bolsonaro saia mesmo do páreo, haverá uma grande reviravolta na correlação de forças políticas, com um possível crescimento de pré-candidatos de centro nas pesquisas de intenção de voto, beneficiados, principalmente, pelo antipetismo — que ainda é forte entre um segmento de eleitores conservadores.
Fonte - Correio Braziliense
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