Após o reboliço causado pela vinda de pesquisadores e 'caçadores' de meteoritos nacionais e internacionais interessados nas pedras que caíram no sertão de Pernambuco, em Santa Filomena, em 19 de agosto, o prefeito da então pacata cidade resolveu pedir ajuda para resolver a situação.
"A gente não tem uma legislação sobre meteoritos. É uma situação atípica, nunca imaginei que viveríamos isso. Qual o valor das pedras? Podem comprá-las e levá-las para fora do Brasil? Tem valor científico?", diz o prefeito do município, Cleomatson Vasconcelos.
Conforme o G1 apurou no domingo (31), desde 20 de agosto, Santa Filomena tem recebido uma enxurrada de pesquisadores, colecionadores e caçadores de meteoritos em busca das pedras. O único posto de combustível da cidade virou local de comércio dos minerais espaciais. O grama custa cerca de R$ 40.
"O município não tem condições de comprar as pedras e formar um acervo aqui. A cidade é pobre, não temos indústria, quase toda a renda vem do governo federal. Cerca 90% aqui vive da agricultura", conta Vasconcelos.
"O comércio das pedras deixou a população eufórica. E eu não posso falar ‘não vendam’ se não tenho condição de oferecer coisa melhor que os compradores", explica o político, que também está preocupado com o aumento dos casos de coronavírus no local por causa da vinda de estrangeiros.
Ofícios e pedido de ajuda
Na manhã da segunda-feira (31), a prefeitura de Santa Filomena mandou ofícios ao ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, e à Secretaria de Ciência e Tecnologia de Pernambuco pedindo orientação.
"Gostaríamos que as pedras ficassem aqui, mas não sabemos o que fazer e não temos recursos. Então pedimos aos governos federal e estadual que mandem pesquisadores ao município, que nos orientem em como agir, que façam um estudo sobre o acontecimento aqui", conta o prefeito. Ele não teve retorno dos órgãos até o momento.
Até o domingo (30), um único caçador de meteorito, um americano vindo dos Estados Unidos somente para comercializar os minerais achados no sertão, havia comprado 10 pedras, uma delas por R$ 18 mil. Após a publicação da reportagem, ele procurou a equipe do G1 e afirmou que estava pagando um preço justo à população, mas que iria embora após a repercussão do caso.
"Veja o que o governo dará a população [pelos meteoritos], nada. Eles [moradores] não receberão nada, por isso nós 'gringos' estávamos comprando", disse o caçador americano por meio de mensagem de texto.
O G1 entrou em contato por meio de telefone e e-mails com os ministérios da Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e de Minas e Energia perguntando a posição do governo federal quanto à venda dos meteoritos aos caçadores estrangeiros e se havia planos de manter os minerais no Brasil para estudos e pesquisas. As pastas não se pronunciaram.
Pedra rara
“Quando eu vi a imagem que estava circulando na internet de um dos fragmentos do meteorito na mão de um rapaz, um baita de um complexo mineral verde, cheio de olivina, na hora vi que era um condrito", explica o professor do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Fábio Machado, diretor-secretário da Sociedade Brasileira de Geologia.
A composição química de um meteorito do tipo condrito, segundo o professor, é a mesma do início do sistema solar, formado há mais de 4,6 bilhões de anos.
“Os condritos são os melhores fragmentos de meteoritos para se estudar a formação do sistema solar porque representam fielmente a composição química no início da formação dos planetas rochosos. Isso quer dizer que as pedras que caíram em Santa Filomena são mais antigas que a própria Terra", explica Machado. Ele é contra a compra e a manutenção de meteoritos nas mãos de colecionadores.
“Quando se vê um meteorito que acabou de cair na Terra, verde do jeito que estava na foto de Santa Filomena, quer dizer que é uma pedra que estava perfeita para ser estudada, estava fresca, cheio de olivina”, afirma o professor.
A olivina é uma espécie de poeira com vários elementos químicos que envolvem os meteoritos recém-chegados à superfície terrestre. Conforme o meteorito entra em contato com a temperatura da Terra, com a umidade e o vento, a riqueza química da olivina vai se deteriorando.
"Perdemos uma oportunidade grande de fazer um estudo brasileiro de relevância internacional com estas pedras. Virou essa confusão na cidade. Isso não era para ter acontecido”, diz.
Apesar da lei não ser clara quanto à comercialização de meteoritos, para a Sociedade Brasileira de Geologia o comércio das pedras não deveria ser liberado.
“Se a gente ver a legislação da Agência Nacional de Mineração, entendemos que o meteorito é um mineral, ocorre naturalmente na natureza, com todas as definições de um mineral. Como tal, ele é bem do Tesouro. Ele caiu no Brasil, então é bem da União e não pode ser comercializado. É como um fóssil, você não pode vendê-lo.”
O G1 pediu um posicionamento à Agência Nacional de Mineração por meio de telefone e e-mail, mas não obteve retorno.
Fonte - G1/ Petrolina
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