Exposições, mesas redondas, oficinas e apresentações culturais revestiram de um colorido diverso, contemporâneo e libertário o terceiro dia de programação da II Semana de Humanidades do campus Ouricuri do IF Sertão-PE. Na Comunidade Teiú, nas salas, cantina e corredores do campus e no auditório da Universidade de Pernambuco (UPE) as ações formativas, reflexivas e artísticas sensibilizaram os públicos presentes ao evento, tematizando a necessidade de superar opressões estruturais à sociedade brasileira, como o machismo, o racismo, a homofobia e as desigualdades sociais.
Na manhã da quarta-feira (28), a Exposição “Antropofagias: comer as distopias pelas liberdades brasileiras”, que teve a proposição do professor Juliano Varela e a curadoria do artista Luiz Marcelo Barboza, ocupou a sala 17 e os corredores do campus com obras elaboradas a partir das mais tradicionais linguagens das artes plásticas, como o desenho, a pintura, a escultura e a cerâmica e propostas contemporâneas e inovadoras, como o bordado em papel, o caderno de artista, o trabalho/instalação e a fotografia.
A escolha dos artistas que compuseram a exposição não foi por acaso. De acordo com Luiz Marcelo Barboza, é fundamental trazer obras produzidas por corpos femininos, negros, indígenas, homossexuais e periféricos para a curadoria das exposições de arte. “A arte tem a função de questionar os espaços de legitimidade, para que as pessoas consigam se enxergar, ser abraçadas e desconstruir os signos de opressão. A gente não vai desistir de expor e transitar simplesmente porque as pessoas não estão preparadas para nos receber enquanto homossexual, negro, mulher e trans”, afirmou ele.
A Exposição é fruto de uma parceria entre profissionais das artes e das ciências humanas dos sertões do Araripe e do Submédio São Francisco. Desde 2015, esse intercâmbio tem possibilitado a mostra de obras que tematizam os territórios, a ditadura militar, o sincretismo e a intolerância religiosa. Desta vez, os trabalhos receberam as seguintes denominações: “Somos todos negros?”, “Yabás” e “Ebó”, de Luiz Marcelo Barboza; “Corpos Indesejáveis” e “Angélique Namaika”, de João Pedro Rodrigues; “Presente!”, do coletivo bordado em luta; “’Mãe gentil, pátria amada Brasil’”, de Clarissa Campello; “Carranca Trans” e “Carranca de Peito”, de Carina Lacerda; “Série Metamorfose” e “Série Diversos”, de Morgana Caroline; “Solo Sangre (I)”, de Alisson Nogueira e “Corpo dissidente”, de Déba Viana.
Com foco no debate sobre as desigualdades sociais, a professora de Eletrônica do campus Ouricuri, Shayane Moura, foi curadora da Exposição “Ciência para a redução das desigualdades”, que reúne as obras “Banquinhos da equidade”, “Somos todos da raça humana”, “Como a riqueza é distribuída?” e “Mesa da desigualdade de gênero”, além do “Jogo para uma sociedade diversa”, trabalho da disciplina Sociologia da turma de Informática 2016.1, ministrada pelo professor Juliano Varela, com o apoio do Grêmio Estudantil do campus Ouricuri.
A Exposição “Ciência para a redução das desigualdades” foi realizada graças à parceria com o Espaço Ciência de Pernambuco, que cedeu as obras para serem apresentadas durante as atividades acadêmicas e ao longo do ano em outros espaços e cidades. Com o mesmo tema da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia deste ano, a exposição tem o objetivo de “mostrar como a ciência pode construir políticas que reduzam as desigualdades sociais, de gênero e de oportunidade entre as pessoas”, afirmou a professora Shayane.
Já a Exposição “Meus Discos Compactos”, do professor de música do campus Ouricuri, Alanderson Maxson, reúne um acervo de 122 CD’s que pertencem à sua coleção particular, possibilitando o encontro do público com os mais variados gêneros musicais e artistas da música nacional e internacional. O objetivo é oferecer ao visitante a possibilidade de ouvir o CD, folhear o encarte e até gravar em arquivo digital o álbum de sua preferência. “Alguns desses CDs são bem difíceis de serem encontrados e o intuito é que as pessoas entrem em contato com as informações que não são facilmente encontradas nas plataformas digitais”, destacou o professor Alanderson.
Ocorreu também, na manhã desta quarta-feira (28), a mesa redonda “Juventudes e questões raciais na sociedade sertaneja”, com a participação das palestrantes Raquel Linhares e Tamires Torres, alunas da Licenciatura em Química da unidade escolar, e a mediação do professor das disciplinas de Filosofia, Cristiano Dias. Foram feitas reflexões a respeito das questões raciais referentes à juventude negra, indígena, sertaneja e nordestina. A estudante Mariane Barboza destacou a urgência de debater o assunto. “É um tema muito recorrente e que precisa ser debatido porque ainda existe muito preconceito e racismo no nosso país”, afirmou ela.
À tarde, foi o momento da realização de duas mesas redondas que tematizaram a necessidade do reconhecimento da história de luta, resistência e afirmação e das especificidades contemporâneas de duas matrizes que compõem a cultura brasileira: a indígena e a africana. Ambas contaram com a mediação da professora do campus Ouricuri, Aline De Biase.
Com a licença dos encantados entoada em cânticos da linha de Toré do povo Truká, a mesa redonda “Sertão território indígena: direitos sociais, políticas públicas e condições de permanência” foi aberta para as exposições orais de Déba Viana Tacana, estudante de Artes Visuais da Univasf e da etnia Tacana, Elaine Rodrigues, estudante de Tecnologia em Alimentos do campus Salgueiro do IF Sertão-PE e representante da etnia Truká e Valéria Truká, também da etnia Truká de Cabrobó-PE.
Na pauta de discussão, os desafios de ser indígena nos tempos atuais, ter acesso e permanência ao ensino superior e às outras esferas da vida em sociedade, além da história de resistência dos povos originários do Brasil para a manutenção e a conclusão do processo de reconhecimento oficial dos seus territórios. Como exemplo vivo desses desafios, as representantes do povo Truká discorreram sobre as diversas tentativas de apropriação das suas terras desde pelo menos o século XVIII por poderes municipais, estaduais e eclesiásticos.
“Essa luta pelo nosso reconhecimento vem de muito tempo atrás e eu só queria que vocês pudessem conhecer mais a história do povo indígena do Nordeste, que é de muita dor e sofrimento. Temos 12 escolas, 25 aldeias, o nosso território é de oito mil e duzentos hectares, temos aproximadamente sete mil indígenas e a área até hoje não foi demarcada. A gente precisa apelar de todos os jeitos para que o governo escute”, enfatizou Elaine Rodrigues. Encantada com o espaço de discussão e as importantes intervenções ocorridas, ela estendeu o convite ao público para uma visita ao povo Truká.
Ainda tematizando os desafios de existir e resistir nos tempos atuais, a mesa redonda “Corpos Negros: da diáspora à luta pela ocupação dos espaços na contemporaneidade”, contou com as exposições da professora de Ciências Sociais da Univasf, Paula Galrão, da coordenadora do projeto #SouPeriferia, Karoline Souza, e do estudante de História da UPE, Emanuel Lucas. Na ocasião, foram debatidas as interconexões entre o sexismo, a opressão de classes, a identidade de gênero e o racismo, que transformam os corpos negros em alvos preferenciais da violência e da exclusão social e institucional.
A professora Paula Galrão fez um apanhado histórico da organização das mulheres negras que, nos anos de 1980, possibilitou a consolidação do feminismo negro e o estudante Emanuel Lucas apresentou seu artigo intitulado “DA ESCREVIVÊNCIA À LUZ: corpos estranhos em busca do existir”, em que sinaliza a necessidade de fortalecer a negritude na construção de ferramentas, estratégias e metodologias para fazer enfrentamento ao pensamento dominante eurocêntrico.
Também componente da mesa, Karoline Souza, destacou a importância de discutir a situação da mulher negra na atualidade. “Quando a gente fala da mulher negra e o lugar que ela ocupa, a gente vê que não evoluímos tanto assim. Estamos nas lavouras, nos trabalhos domésticos, com salários baixíssimos, com trabalhos com carga horária extensa, por isso que é bom trazer essa discussão pra gente pensar o que vamos deixar para a posteridade. Que lugares as mulheres negras vão ocupar? Esses lugares vão melhorar?”, questionou ela.
O terceiro dia de programação da II Semana de Humanidades do campus Ouricuri foi finalizado com as apresentações do espetáculo teatral Maria de Araújo e o milagre de Juazeiro do Norte, do Coletivo Passarinho e Trup Errante, Recital Ponto Poético, da Cia Teatral Biruta, e da banda Rádio Retrô e EdiForró, composta por estudantes do campus Ouricuri.
Na Fazenda Teiú, comunidade rural do município de Ouricuri, a apresentação do Ponto Poético levou um recital de poesias de escritoras negras para um público atento. A atriz e arte-educadora Cristiane Crispim ficou satisfeita com a recepção do público às dores, lutas, resistências e conquistas da população negra. “É um sentimento de felicidade, de satisfação, de uma sensação de missão cumprida. Fazemos nossa arte para chegar aos lugares, nas pessoas mais diversas possíveis. Então, vir para a comunidade apresentar a um grupo de mulheres nos honra bastante e nos deixa muito felizes, pois nós comungamos das mesmas lutas e, assim, fortalece o nosso caminhar, a nossa luta por justiça”, declarou ela.
A vice-presidente da Associação das Trabalhadoras e dos Trabalhadores Rurais da Fazenda Teiú, Cícera Carvalho, também contou o sentimento de ter vivenciado o recital Ponto Poético. “O tema é muito importante para ser discutido nas escolas e associações. Foi muito bom que o evento tenha vindo para nossa comunidade e são de momentos como esse que precisamos trazer para Fazenda Teiú”, disse. Coordenadora da região do Sertão do Araripe da Secretaria da Mulher do Governo do Estado de Pernambuco e moradora da Fazenda Teiú, Lourivanda Souza se sentiu tocada ao assistir ao recital. “Arrepiei-me no evento, porque eu sou mulher negra e me senti representada com os temas abordados nas poesias”, afirmou ela.
Fotos: Lídio Parente
Texto: Luis Osete e Felipe Piauilino
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