Tentar impedir ou constranger as mães que amamentam em público em breve deverá se tornar crime em todo o País. Pesando no bolso, inclusive. No momento, existem dois projetos de lei tramitando no Congresso Nacional: um, de autoria da deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), protocolado em abril, e o outro, do senador Eduardo Amorim (PSC-SE), de maio. Porém, em vários Estados e municípios isso já virou lei, como em Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas. O maior destaque na mídia aconteceu há dois meses, quando a cidade de São Paulo sancionou lei estabelecendo multa a esse respeito.
Poucos sabem, mas Pernambuco é pioneiro nesse sentido: a Lei 14.891, decretada em outubro de 2012 pelo então governador Eduardo Campos, garante o direito das mães amamentarem publicamente seus filhos. O projeto foi criado pelo deputado federal Daniel Coelho (PSDB), que na época era deputado estadual. O problema é que, junto com outras leis, ela aguarda regulamentação por parte do Poder Executivo.
A lentidão em “tirar a lei do papel” e a ignorância acerca dos direitos de mães e bebês pode estar prejudicando a vida de muitas pernambucanas. “Esta demora é comum aqui em Pernambuco”, lamenta Daniel. “Infelizmente, a julgar pela grande quantidade de leis nesse sentido, podemos afirmar que a intolerância está crescendo em todo o território nacional”, avalia.
Entre as mães que poderiam ter sido beneficiadas, pode-se citar a estudante de odontologia Ellis Romaguera. Em março de 2013, ela virou notícia depois que foi abordada por uma monitora do Instituto Ricardo Brennand, na Várzea, por estar dando o peito a seu filho Thor, que na época tinha oito meses. “A moça foi rude. Disse que eu não podia fazer ‘isso’ lá, como se fosse algo sujo. E ameaçou chamar a segurança, se eu não saísse da sala”, relembra Ellis, que relatou seu constrangimento às amigas.
A indignação generalizada acabou levando mães a organizarem um “mamaço” na instituição, chamando a atenção da mídia. O Instituto declarou, por meio de nota, que “a amamentação é livre em todas as áreas da instituição”, mas que existe “uma orientação às mães para que amamentem na área externa ou na cafeteria”, já que “dentro dos espaços expositivos pode haver micróbios e bactérias nocivos à saúde da mãe e do bebê”.
Expor mães ao constrangimento pode justificar ação de danos morais
Ellis preferiu não tomar nenhuma outra providência a respeito. Mas, na avaliação da advogada Mariana Bahia, este tipo de situação vexatória poderia justificar uma ação de danos morais. “A vítima é a mãe. Peito não é órgão sexual, não representa atentado ao pudor, e a mãe não tem que ser coagida a se direcionar a um lugar específico para amamentar nem a cobrir a criança com um pano. O problema está nos olhos de quem enxerga maldade nesse ato de amor”, critica. À parte as leis sobre amamentação em público, o direito de mães e filhos já estaria garantido pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Declaração Internacional dos Direitos das Crianças.
O fato é que ainda é comum que as mulheres que amamentam recebam olhares de desaprovação, constrangimento ou malícia. “Às vezes preciso sair com Olívia e as pessoas encaram como se eu estivesse fazendo algo errado. Uma vez eu precisei parar num posto de gasolina para sacar dinheiro, e ela quis o peito. Aí, um homem ficou fora de si. Ele simplesmente não conseguia não olhar. Foi muito constrangedor, mas não deixei de alimentar minha filha”, relembra a cineasta Olga Ferraz, mãe de Olívia, de três meses.
“Talvez, mais para a frente, as pessoas consigam olhar para uma mãe amamentando sem achar que ela está se expondo para os presentes, e sim como algo natural entre os mamíferos, como quem vê uma cadela dando de mamar a seus filhotinhos”, imagina a acrobata Camila Gatis, mãe da recém-nascida Maria Flor.
Embora no Brasil os benefícios da amamentação sejam cada vez mais divulgados, menos da metade dos bebês são alimentados exclusivamente no peito até os seis meses, idade mínima recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). E um número ainda mais restrito de mães consegue ampliar a amamentação até os dois anos de idade: se dar o peito a um bebê pequenino já causa espanto, com crianças maiorzinhas a pressão é ainda maior.
Para enfrentar esse tipo de situação, o exemplo de “mães famosas” pode ser fundamental, pois reforça a autoconfiança de outras mães. Um exemplo pernambucano é a ex-primeira-dama Renata Campos, viúva de Eduardo. Ela sempre amamentou os cinco filhos, sem se incomodar com possíveis críticas. “É um ato natural e a mulher deve poder amamentar em qualquer lugar”, diz ela, que até hoje amamenta o caçula, Miguel, de um ano e meio.
A internet e os grupos de apoio a grávidas e mães têm sido outra fonte de suporte. Diante dos relatos de seguranças “convidando” mulheres a amamentar em banheiros ou fraldários, a pressão exercida por esses novos canais passou a ser medida a partir de 2011, quando vários “mamaços” presenciais e virtuais foram realizados em todo o País.
O primeiro mamaço a ser registrado aconteceu em 2011, em São Paulo. No mesmo ano, a fotógrafa mineira Kalu Brum teve uma imagem bloqueada pelo Facebook, que a classificou como “pornografia”. “Até homens usaram minha foto como avatar, para protestar. A ideia viralizou de uma forma tal, que mudaram as regras de censura. Agora, pode-se usar fotos de amamentação”, comemora ela, que descreve os mamaços como “uma forma de conscientizar as pessoas da importância do aleitamento e da necessidade de liberdade de amamentar em qualquer espaço”.
Para a antropóloga e feminista Elaine Müller, que é professora na UFPE, “os constrangimentos sempre existiram, mas agora as mulheres não querem ficar caladas”. “Muitas não aceitam mais enxergar seus corpos como defeituosos ou causadores da opressão. O novo mote feminista é ‘meu corpo, minhas regras’, e isso vale também para a questão da maternidade. Assim, tanto os novos movimentos, como as novas leis, estão relacionados com esse questionamento da erotização, da ideia de que o corpo feminino seria sempre o objeto de desejo dos homens”, aponta Elaine. “É um avanço político importantíssimo quando uma mulher retoma o poder sobre si mesma e amamenta quando e como quer, sem se importar se o marido está gostando ou se a sogra quer dar pitaco sobre o tempo que o bebê vai ser amamentado”, finaliza.
Maria Mesquita/ JC OnLine
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