O Dia Nacional do Índio, celebrado neste domingo (19), foi antecedido por uma semana de protestos dos povos indígenas em Brasília. Cerca de 1500 lideranças indígenas, representando mais de 110 etnias, ocuparam a capital federal em nome dos seus direitos territoriais, considerados ameaçados pelo ressurgimento da Proposta de Emenda à Constituição nº 215, de 2000, na Câmara dos Deputados. Amplamente defendida pela bancada ruralista, a PEC 215 pretende transferir, do Executivo nacional para o Congresso, a responsabilidade pela demarcação das terras indígenas, garantida na Constituição de 1988.
O resultado disso foi o Congresso Nacional se tornando palco de cantos e danças tradicionais, numa manifestação espontânea e pacífica, porém numerosa e vibrante. “Esse ano, o Abril Indígena coincidiu com o Acampamento Terra Livre [ocupação realizada anualmente]. As pautas vem para a capital central, onde estão todos os poderes”, explicou o cacique Marcos Xukuru, representante do Nordeste na coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Líder da tribo Xukuru do Ororubá, de Pesqueira, município do Agreste pernambucano que concentra a sétima maior população indígena do território nacional, Marcos pegou a estrada e somou-se ao êxodo em direção a Brasília.
Na tarde da quarta-feira (15), o penúltimo dos quatro dias de mobilização, ocorreram os eventos mais significativos. As lideranças se reuniram com parlamentares, entre eles o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). “Ele ficou dizendo que a casa é democrática.Na minha avaliação, foi uma resposta vazia, não houve uma vontade de fato de se envolver com a questão”, avaliou o cacique Xukuru. Ele conta que os deputados federais Paulinho da Força (SD-SP), Gonzaga Patriota (PSB-PE) e a ex-presidenciável Marina Silva (PSB) prestaram solidariedade à causa. No Senado, Aécio Neves (PSDB-MG) e Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) também prometeram apoio para impedir que a PEC vingue no Congresso. Recriada no mês passado para discutir a matéria, a comissão especial já emitiu parecer favorável à sua tramitação na Casa, assinado pelo relator, Osmar Serraglio (PMDB-PR).
O Legislativo deseja ter voz nessa questão, que envolve diversos interesses particulares. Isso fica claro no próprio texto da PEC 215, que resume cada uma das 11 propostas semelhantes que foram apensadas a ela. Uma delas, a PEC nº 257, de 2004, sugere que é “exagerada” a dimensão dessas terras, “desproporcional ao tamanho das populações indígenas”. Além dos ruralistas, Marcos Xukuru teme outros parlamentares que tiveram suas campanhas eleitorais financiadas pelo agronegócio e pelo setor madeireiro, aos quais não interessaria a delimitação de áreas protegidas. “Ela vai acirrar os conflitos porque as terras não serão mais demarcadas se formos esperar. Os povos indígeras farão sua autodemarcação, vão ocupar. E há uma violência muito grande por parte dos latifúndios”, acusa o cacique.
O antropólogo Renato Athias, pesquisador do departamento de Antropologia e Museologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), explica que não é à toa que o papel de demarcar as terras dos povos nativos compete ao Poder Executivo. “O legislativo não é para executar, isso não cabe a ele. Essa PEC serve para não existir mais [a demarcação], é um atraso, um retrocesso da própria Constituição”, argumenta. Autor do livro Povos indígenas de Pernambuco: conflito e identidade, publicado em 2007 pela Editora Universitária, Athias explica que o processo de demarcação já conta com uma grande morosidade por parte do Governo Federal, em virtude da necessidade de avaliação técnica das áreas. “Quando existe uma identificação da terra indígena, o Ministério da Justiça organiza um grupo de pesquisa interdisciplinar. Especialistas fazem um estudo antropológico, esse estudo faz os limites”, explica.
De acordo com o professor, a terra fica à espera de possíveis contestações dos limites por 90 dias. Tais contestações são avaliadas para só depois a terra ser demarcada fisicamente e, por fim, homologada. “Os índios não tem propriedade da terra, ela pertence à União. Mas eles adquirem usufruto permanente. Sem essas garantias, haverá uma paupeirização das comunidades indígenas”, conclui.
Do Diário de Pernambuco
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