Quase 35% das crianças entre 5 e 9 anos de idade no Brasil estão acima do peso, como mostrou a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF). Mesmo entre os pequenos, maus hábitos alimentares e sedentarismo já são apontados como causa do índice de sobrepeso por nutricionistas e endocrinologistas. Mas os especialistas também acreditam que atitudes cotidianas dos pais, como as compras de supermercado, podem mudar essa realidade.
Cenoura, banana e maçã estão na lista das comidas que sempre foram rejeitadas por Viviane Lima. Apesar de odiar as frutas e verduras, faz questão que as filhas - Beatriz, 6 anos, e Alice, 1 - tenham uma alimentação saudável. "A nossa família tem histórico de doenças como diabetes e hipertensão, então, criando esses hábitos, tento evitar que elas também passem por isso no futuro", explica.
Beatriz e Alice não têm o exemplo em casa, mas são incentivadas a comer frutas e verduras. Apesar dos estímulos, a mais velha já prefere os biscoitos recheados (Foto: Acervo pessoal)
Um estudo da Universidade de Oxford mostra que as práticas de Viviane devem ter bons resultados. A pesquisa concluiu que crianças obesas têm um risco de 30% a 40% maior de, no futuro, sofrerem enfarte ou outras doenças isquêmicas cardíacas em comparação a crianças com índice de massa corpórea (IMC) normal.
A endocrinologista Jacqueline Araújo diz que a obesidade entre meninos e meninas tem grandes chances de continuar até a vida adulta, com agravantes como a síndrome metabólica, uma associação de fatores de risco - níveis altos de colesterol LDL e glicose, por exemplo - que aumentam o risco de doenças cardiovasculares e diabetes.
Os hábitos ruins entre as crianças já refletem nos números entre os mais crescidos, segundo o Ministério da Saúde. A proporção de adultos acima do peso avançou de 42,7%, em 2006, para 48,5%, em 2011. No mesmo período, o percentual de obesos subiu de 11,4% para 15,8%. Na faixa entre 10 a 19 anos, 21,7% dos brasileiros têm excesso de peso, índice que era de 3,7% em 1970.
Mas os riscos da obesidade infantil não estão só no futuro. De acordo com a endocrinologista, muitas crianças desenvolvem problemas ortopédicos e cardíacos. "Com o excesso de peso, os ossos acabam sendo forçados e podem até ser fraturados", explica. "As crianças também podem desenvolver transtornos psicológicos por muitas vezes sofrerem bullying ou até diabetes tipo 2", completa Jacqueline Araújo.
ESCOLAS - Frituras e refrigerantes estão na alimentação de muitas crianças em idade escolar. Com a convivência e fora do controle dos pais, mesmo aquelas que possum hábitos saudáveis acabam caindo em tentação. Apesar de sempre explicar a Beatriz e Alice o que as duas podem ou não comer, Viviane Lima às vezes tem que ceder para que as meninas não sejam "a exceção entre os amiguinhos", como diz.
A endocrinologista Jacqueline Araújo concorda que os doces, refrigerantes e salgados não devem ser completamente proibidos, mas também não devem fazer parte do dia a dia. "Com coxinha como campeã nas cantinas e os pais sem poder mudá-las, uma forma de evitar que a escola se torne o ambiente para sair da rotina é não fazer contas (em cantinas de escola) em que as crianças podem comprar o que quiserem, por exemplo", explica Jacqueline Araújo.
"Educando desde cedo dá certo", diz a endocrinologista. No consultório, ela diz que combina com a criança e a família que irá levar para a escola um lanche mais parecido com guloseima (biscoito sem recheio ou de leite, barra de ceral, bolachas salgadas, pipoca pequena, pastel de forno, bolo branco ou até mesmo biscoito recheado em pequena quantidade), acompanhado de um suco. Em casa, à tarde, o lanche será fruta. "Em geral eles aceitam bem o acordo", comemora.
A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense/2009) apontou que apenas um terço dos alunos matriculados no ensino fundamental da rede privada consome frutas e hortaliças em cinco dias ou mais na semana. Já refrigerantes e frituras fazem parte da rotina alimentar de 40% dos alunos. A pesquisa mostrou que, no Recife, 7,5% dos meninos e meninas no 9º ano são obesos. O percentual de obesos em escolas privadas é sempre maior que nas públicas
EXEMPLO - A endocrinologista afirma que a alimentação dos pais serve como exemplo para os pequenos. "As crianças não saem dos maus hábitos se não veem práticas positivas em casa", explica. Para ela, o primeiro passo é mudar as compras de supermercado, evitando guloseimas e adicionando frutas e verduras, por exemplo.
Viviane Lima sente isso na prática. Embora estimule as filhas a tomarem sucos e comerem frutas e verduras, aos 6 anos, Beatriz já não as escolhe com tanta facilidade. "Preciso esconder as verduras na comida e negociar. Como ela é muito vaidosa, digo que tem que comer cenoura para o cabelo crescer. Acho que isso já acontece porque ela não vê a mãe comer esses alimentos", diz.
De acordo com Jacqueline Araújo, além de incentivar a alimentação saudável, os pais devem fazer pelo menos uma refeição com eles, de forma que esse seja um momento prazeroso do dia. A prática de exercícios e atividades recreativas também é indicada, já que o sedentarismo é uma das maiores causas da obesidade.
TRATAMENTO - A endocrinologista orienta que as crianças que tenham um quadro de sobrepeso devem ter acompanhamento médico e psicológica. O tratamento é encontrado em Pernambuco através da rede municipal de saúde. As crianças são orientadas nos Postos de Saúde da Família (PSFs) e encaminhadas para nutricionistas da rede.
É possível determinar o sobrepeso através do cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC), em que é feita a razão entre o peso e o quadrado da altura. Para meninos e meninas de 2 a 6 anos, a obesidade é indicada se o resultado der acima de 18. Para as crianças maiores, o alerta fica entre 21 e 25.
Do JC OnLine
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