domingo, 2 de agosto de 2009
MEMÓRIA - UMA INDISSOLÚVEL LIGAÇÃO COM OS DONOS DO PODER
A homenagem prestada pelo governo de São Paulo a Luiz Gonzaga, na passagem dos 20 anos de sua morte, com uma série de shows na capital paulista, foi imediatamente interpretada como uma jogada eleitoreira de José Serra. Um aceno dele aos milhões de eleitores nordestinos que vivem no Estado. Serra, que esteve ontem, 01/08/09, em Exu, na homenagem a Gonzagão, que acontece no Parque Aza Branca, naturalmente, negou que a intenção tenha sido esta. Vivo fosse, o Rei do Baião dificilmente recusaria uma proposta para fazer campanha para Serra. Politicamente, Luiz Gonzaga foi um poço de paradoxos, muitas vezes confundido com adulação ao poder. Na realidade, ele apenas conservou um costume arraigado no camponês do Sertão, para quem o coronel era o poder que não podia ser contestado.
Em depoimento à francesa Dominique Dreyfus, para o livro Vida de viajante, Gonzaga, sua melhor biografia, ele confirmou: “Eu sempre tive uma vocação para estar ao lado dos governos eleitos, sem levar em conta o partido político no poder. Eu exalto os políticos quando eles merecem. Quando vejo que um homem público é bom, então eu vou se ele me convida. Assim foi com Getúlio, com Dutra, com Jânio Quadros, com Carlos Lacerda...um homem incrível. Eu fui sanfoneiro dele, fiz a campanha dele todinha para o governo da Guanabara, de graça”.
Sem receber nada, ele também tabalhou na campanha presidencial de Jânio Quadros, mas também fez muitas por dinheiro. Em 1950, ele e Humberto Teixeira fizeram um jingle para a campanha do escritor José Américo ao governo da Paraíba. Compuseram o baião homônimo, cujos versos “Paraíba masculina/mulher macho/sim, senhor”, já na primeira apresentação, em um comício, foram considerados uma ofensa à mulher paraibana. Até hoje é sinônimo de lésbica.
A falta de uma ideologia definida em Luiz Gonzaga foi incompreendida até pelo filho Gonzaguinha. De esquerda, e um dos autores mais censurados durante a ditadura, ele não se dava bem com o pai adotivo mesmo que este comungasse da mesma inclinação política, quanto mais com Gonzagão elogiando os militares. Foram ações que afastaram pai e filho até o final da década de 70, quando se reconciliaram e viraram parceiros de palco. Ao mesmo tempo em que tecia loas aos governos militares e políticos que sustentavam a ditadura, Luiz Gonzaga quis se candidatar a deputado pelo MDB (sua mulher Helena Gonzaga foi vereadora, pela antiga UDN, na cidade de Miguel Pereira, no Rio). Com acesso facilitado aos altos escalões, Luiz Gonzaga foi ao Palácio do Planalto, na época do general Figueiredo. Levou duas asas brancas, um gesto simbólico, pois queria a colaboração do governo para um projeto de preservação da ave em extinção. No entanto, acabou levando um pito do irascível militar. Mal viu Gonzagão, Figueiredo perguntou: “Cadê teu filho? Por que é que ele não gosta de mim?” Gonzaga respondeu que não sabia se Gonzaguinha gostava ou não do presidente. O general não se contentou com a resposta: “Diga a ele para me deixar em paz!”
Ao mesmo tempo em que cortejava o poder, Gonzagão cantou algumas das mais incisivas canções de protesto já gravadas na MPB, começando pela hoje clássica Vozes da seca, de Zé Dantas, dos versos contra o assistencialismo: “Mas seu doutor uma esmola/a um homem que é são/ou lhe mata de vergonha/ou vicia o cidadão”. Em pleno 1964, foi a vez da épica Triste partida, de Patativa do Assaré, um forte libelo contra o secular abandono do nordestino a cada seca, obrigado a abandonar sua terra. Mas estas duas não foram as únicas abordando a temática. em 1957, por exemplo, cantou Sertão sofredor, de Nelson Barbalho e Joaquim Augusto: “Sertão véio sofredor! Inté Paulo Afonso que era a redenção do Nordeste, virou coisa de luxo. Só tá servindo mode iluminar as cidade grande. Cadê as fábrica? Cadê as indústria? Cadê as coisa boa anunciada pro Nordeste?”, declama Gonzagão na abertura da música.
José Teles
teles@jc.com.br
GONZAGA CANTOU EM LOUVAÇÃO A POLÍTICOS
Luiz Gonzaga fez as pazes com os cabeludos a partir de 1968. Mesmo assim, em plena efervescência política daquele ano, com passeatas embaladas pela guarania Caminhando, de Geraldo Vandré (que ele gravaria em 1981), no LP Canaã, Gonzagão trafegou na contramão da juventude, com Canto sem protesto e Nordeste pra frente (ambas co-assinadas com Luiz Queiroga). Na primeira alfineta os compositores engajados (entre os quais estava o filho Gonzaguinha): “Pode dizer que eu não presto/que não presta o meu cantar/Meu canto não tem protesto/meu canto é pra alegrar/quem tem ódio não canta/nem quero ouvir cantar”, na segunda, desdiz o que cantou em A triste partida: “Senhor repórter, já que está me entrevistando/ vá anotando pra botar no seu jornal/que o Nordeste está mudado/publique tudo/pra ficar documentado”. Entre as mudanças na região ele ressaltava uma estação de TV em Campina Grande, os foguetes em Natal, a possibilidade de petróleo em Alagoas. Ele que abjurou o iê-iê-iê, no Xote dos cabeludos, passou a elogiá-los: “Já tem homem com o cabelo crescidinho/o lambe lambe no Sertão já usa flash/carro de praça cobra pelo reloginho/já tem conjunto com guitarra americana...”.
De volta à cidade natal, Luiz Gonzaga, vez por outra tecia homenagens aos políticos no poder e a projetos como a Rodovia Asa Branca, que liga Exu ao Crato, no Ceará, ou ao Projeto Asa Branca (com José Marcolino), uma louvação ao senador Marco Maciel, então governador de Pernambuco: “...Dia onze de dezembro/do ano setenta e nove/vem à tona e se promove/uma idéia rica e franca/ Marco Antonio Maciel/criou o projeto...Dia vinte e um de março/data marcante, ano oitenta/Maciel num tempo escasso/prevendo a seca cruenta/na cidade de Salgueiro/promoveu o lançamento/ da terra em sua mensagem/consagrou este projeto/pra salvação da estiagem”. Mas Maciel não foi o primeiro governador pernambucano numa música gravada por Gonzagão. Em 1977, no LP Chá cutuba, numa de suas raras composições sem parcerias, ele cantou Não é só a Paraíba que tem Zé: “Zé de Moura é da mata/da terra do goiamum/ Pernambuco é assim de Zé/Mas de Moura só tem um/ele veio de Macapá/mas é de Macaparana/dá um jeito Zé de Moura/na pobreza pernambucana”. O Zé merecedor de tantos encomios é José Francisco de Moura Cavalcanti, que governou o estado de 1975 a 1979.
Fonte-JC
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