quarta-feira, 19 de novembro de 2008

BILHÕES - MERCADO GÓSPEL CRESCE EM RITMO ACELERADO

A fé do homem pode até ser do tamanho de um grão de mostarda, como bem comparam os escritos bíblicos, mas, sem dúvidas, está na medida certa para blindar uma fatia do mercado que não dá sinais que vai curvar-se diante da inimiga recessão. A indústria brasileira do batizado setor gospel (corruptela de God Spell, Palavra de Deus, em inglês) expande-se num ritmo inebriante, operada por 45 milhões de evangélicos no País, capazes de gerar uma massa consumidora que cresce 8% ao ano e faz R$ 1 bilhão em negócios, segundo cálculos de empresários magnatas no segmento. A frenética produção editorial e fonográfica, aliada a uma vasta cadeia de mercadorias e serviços, fazem o gospel business sobressair-se neste retraído cenário econômico mundial. “O mercado de artigos de orientação teológica é gigantesco e tem aumentado muito. Ao menos 700 empresas se voltam, exclusivamente, para atender esse público, que tende a somar 55 milhões de convertidos até 2010. É um povo fiel na formação espiritual e não mede esforços em ler, ouvir e vestir artigos que o identifiquem como cristão”, diz Eduardo Berzin Filho, diretor da EBF Eventos, realizadora da feira ExpoCristã, hoje a maior vitrine do potencial neoevangélico no Brasil. Com membros-compradores distribuídos em 200 mil igrejas protestantes País afora, o carro-chefe do nicho é puxado pelo império literário. Oitenta editoras jorram 20 milhões de títulos todos os anos (sendo seis milhões só de Bíblias), rendendo mais de R$ 250 milhões às gráficas. “O brasileiro lê, em média, 1,2 obras por ano. Os evangélicos lêem 7,1 em média, padrão de leitura europeu. Por isso, essa área cresce até 30% anualmente, algo só comparável ao volume de comercialização de livros de auto-ajuda”, justifica o coordenador da Associação de Editores Cristão (ASEC), Sinval Filho. “A ascensão cultural da comunidade cristã torna-lhe leitora assídua, não apenas da Bíblia, mas estudiosa de todos os temas relacionados a ela. A qualidade das publicações é impressionante, com conteúdo aprofundado. Isso agregado à forte inserção de crentes das classes A e B”, acrescenta. Livro, seja adulto ou infantil, é um dos itens mais adquiridos pelo arquiteto Ibzan Omena Ribeiro, 40 anos. Integrante da Igreja Episcopal Carismática, ele revela que chega a gastar R$ 100,00 por mês com literatura para si, as duas filhas e a esposa. “Sempre que vou ao supermercado, compro algum livro, até jornais gospel pego. Também gosto muito de presentear”, conta.

Livrarias diversificam oferta e aumentam lucro

Para escoar toda essa proliferação editorial, os estabelecimentos de venda multiplicam-se nos estados brasileiros. As 1,5 mil lojas de livro cristão no País - pelo menos 30 delas concentradas no centro do Recife - faturam R$ 20 milhões por ano, de acordo com a Associação Nacional de Livrarias Evangélicas (ANLE). “Todo dia tem gente se convertendo, o crescimento é latente”, comemora José Maria Nogueira, presidente da ANLE, master-franqueado da Casa Publicadora das Assembléias de Deus (CPAD) em Fortaleza e dono de quatro unidades da Casa da Bíblia na mesma cidade. Mas os “ovos de ouro” dos livreiros evangélicos não estão, essencialmente, só nos livros. “A diversificação do mix nas gôndolas é o maior filão. Louças com versículos bíblicos, camisetas, chaveiros, artigos para presente, jogos infantis, magazines e até gravatas e prendedores de gravata. Têm livrarias que os clientes podem até sair de terno novo”, cita o presidente da ANLE. Bijouterias também são vendidas, como a estrela de Davi, símbolo judaico. Há 43 anos no mercado pernambucano, a Livraria Luz e Vida descobriu o poder do sortimento. “Nosso lucro aumentou em 20%. São bonés, canetas personalizadas, caixinhas de promessa, bichos de pelúcia, quadros e itens decorativos para quarto, além de CDs e DVDs. O setor está tão aquecido que falta até mais livrarias no comércio”, estimula o gerente da Luz e Vida, Glevison Soares. As livrarias evangélicas, segundo a ANLE, têm integrado o hall de expositores em bienais do livro e recebidos prêmios nacionais.

Varejo tradicional também lucra com a fé

Com tanta potencialidade a ser explorada, as redes do chamado mercado secular (não-cristãs) também passam a voltar os olhos ao gospel business. É expressivo o espaço dedicado ao negócio por gigantes como Extra, Bompreço, Carrefour, Livraria Cultura e Lojas Americanas. Há quase oito décadas no varejo, a Livraria Imperatriz enxergou a força do consumo dos evangélicos e oferece uma seção privilegiada para a literatura cristã. “Com certeza, o segmento protestante é muito importante para a empresa, representando 5% do nosso faturamento. A seção fica bastante visível em nossas cinco lojas e a saída maior é de Bíblias”, retrata o dono da rede Imperatriz, Jacob Berenstein Neto. O Brasil é recordista na venda de Bíblia no mundo, conforme atesta a maior publicadora de Escrituras Sagradas do planeta, a Sociedade Bíblica do Brasil (SBB). “Distribuimos para mais de cem países. As mais caras custam R$ 120,00, e as mais baratas, R$ 3,25”, informa o representante da SBB no Recife, pastor Marcos Gladstone Silva. Da fabricação de bancos para igreja a púlpitos, a carteira de investimentos gospel seduz em todos os sentidos. Dos instrumentos musicais feitos pela Yamaha, 65% são comprados por músicos formados entre fiéis. “A igreja é considerada, atualmente, uma das maiores formadoras de instrumentistas no País”, observa Eduardo Berzin Filho, diretor executivo da EBF Eventos.

Fiéis consomem de roupa a pacote turístico

Não demorou muito para a indústria de confecção transformar as velhas camisas básicas de dizeres cristãos, com pouco atrativo visual e qualidade têxtil baixa, em peças de grifes antenadas à tendência e ao alto padrão fabril. Hpice, Luzza, Cia dos Séculos, Water Live, Mig & Meg, são apenas alguns nomes líderes no mercado do vestuário evangélico, adulto e infantil. Marcas que cravam suas mensagens até em roupas para dormir e em sungas para surfistas, nessas com inscrições do tipo “Escolhido Por Deus”. A Belttty (com três “t” mesmo) Confecções, empresa de pequeno porte voltada para o público feminino cristão há 15 anos, com sede no Ceará, já consegue distribuir, para todo o País, 80 mil peças por ano e fatura quase R$ 1 milhão no mesmo período. São blusas, babylooks, batinhas e túnicas com estampas cristãs modernas, tornando a fábrica uma das cinco grifes gospel mais citadas no Brasil, com a meta de liderar o segmento até 2016. “Somos mais fortes no Norte e Nordeste do País, mas estamos em franca expansão para o Sudeste”, diz o sócio-prorietário da marca, Jean Charron. No âmbito do entretenimento, o turismo de peregrinação também conquista seu espaço. A pernambucana Fiel Tour há quatro anos formata pacotes só para viajantes protestantes, que seguem em caravanas para a Terra Santa. “Recentemente, levamos 40 pessoas para Egito e Israel. Outra saída está programada para maio de 2009. Em média, um passeio desse custa US$ 3,5 mil”, conta o diretor da Fiel, Severino Francisco. Na ótica dele, o que faz os cristãos escolherem viajar com uma agência evangélica, e não com uma secular, é a opção de ter guias que seguem os roteiros bíblicos, explicando cada passagem.

Gravadoras investem em lançamentos

Você já tentou enumerar os cantores gospel existentes (só) no Brasil? Não precisa, vão trabalho. Assim como há, atualmente, três mil denominações neoevangélicas diferentes no País - só a Batista tem cerca de 20 correntes distintas -, o maior palco já montado no mundo não daria para abarcar o vendaval de artistas nacionais novos e consagrados, fora os internacionais. Só a Aliança Produção, gravadora de ícones como o cantor Adhemar de Campos, faz 15 lançamentos semanais e tem catálogo com oito mil títulos. “O setor gospel está no mesmo nível de competição do mercado secular, em plena expansão. Distribuimos cerca de cem mil CDs e DVDs por mês, movimentando R$ 15 milhões anualmente. O ritmo de crescimento é de 10%”, ilustra o sócio-diretor da Aliança, Ricardo Carreras. “Se você ligar hoje para uma fábrica de mídias e encomendar dois mil discos, eles só farão a entrega em 2009, tamanha é a demanda”, ressalta. Carreras pontua que um fator positivo são os preços acessíveis, que dispensam a pirataria. O fenômeno Lázaro, ex-músico do Olodum, expressa em números a alta do segmento. O cantor já tem 500 mil cópias vendidas no Brasil, e chegará a um milhão até o fim do ano. “Marca alcançada por artistas do quilate de Ivete Sangalo”, compara Carreras. O DVD do pastor Adhemar de Campos figura com 30 mil cópias comercializadas. Mercado que é aquecido por jovens como o designer Jarmerson Gumercino da Silva, 21 anos. “Compro mensalmente, tenho uma coleção robusta. Gasto R$ 90,00 por mês”, conta. O gospel music abrange um leque de estilos sonoros que vai da canção sacra ao funk. Pesquisa da Associação Brasileira dos Produtores de Disco (ABPD), encomendada ao Instituto Franceschini de Análise de Mercado, revela que o gênero religioso ocupa o segundo lugar na preferência dos compradores, ficando atrás do pop / rock e na frente do ritmo sertanejo.

Filmes fazem sucesso em exbições caseiras

Paralelas aos circuitos cinematográficos nas metrópoles brasileiras, as megaprodutoras de filmes de cunho cristão também entretem (e evangelizam) uma legião de telespectadores. A BV Films & Books, maior distribuidora de películas estrangeiras no Brasil, lança, em média, 20 títulos por ano no País, injetando em sua receita R$ 3 milhões, a cada 12 meses. Obras que, nos Estados Unidos, ganham as telas grandes, aqui fazem sucesso em exibições nos lares, nas igrejas e em comunidades carentes. “Nós nacionalizamos o produto, dublando ou legendando, e distribuimos. Fora os filmes, também importamos shows e pregações em DVD”, cita o proprietário da BV, Cláudio Rodrigues. “Em 1991, na estréia de ‘Batman’, também lançamos ‘Inferno em Chamas’. Dezessete anos depois, ‘Batman’ passou, mas ‘Inferno em Chamas’ permanece em pleno sucesso. O fato é que, além de ser um instrumento de evangelização, sempre será novidade para cada pessoa que se converte e, após, o descobre”, explica Rodrigues. Dois lançamentos deste ano, destaques de “bilheteria”, foram “A Virada” e “Desafiando os Gigantes”. A produção desse último, classificada como “caseira”, custou US$ 60 mil, mas já conseguiu arrematar US$ 3 milhões em faturamento. Caminho semelhante percorrerá “Prova de Fogo”, de US$ 500 mil, que já é considerado coqueluche no mercado norte-americano.

Software ajuda na gestão das igrejas

A edificação de 14 mil templos evangélicos no Brasil, todos os anos, tem trazido a líderes religiosos o desafio de administrar verdadeiras empresas eclesiásticas, que precisam controlar receitas, despesas e capital de giro. Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, feita em 2007, mostrou que circulam mais de R$ 5 bilhões em dízimos e ofertas nas igrejas. Como gerir tanto recurso? A tecnologia, então, foi mais uma a fisgar o negócio gospel. A partir das deficiências organizacionais que detectou nos templos por onde passou, o desenvolvedor de software Alcides Vieira, 40 anos, criou uma das ferramentas de gestão eclesiástica mais famosas no meio cristão, a “Church” (igreja, em inglês). “O programa, além de realizar um controle inteligente das finanças da congregação, regula cadastros de entrada e saída de membros e oferece balanço individual de ofertas e dízimos, fluxo de caixa, catálogo patrimonial e ‘mailing-list’”, detalha Alcides Vieira. Em 12 anos de dedicação exclusiva ao universo gospel, hoje mais de dez mil igrejas adotam o sistema no Brasil e em países como Estados Unidos, Japão, Portugal, Inglaterra, Holanda e alguns do continente africano. Church tem versão tanto para igrejas tradicionais como para as que funcionam no formato de células, cujos membros não se reúnem em congregações, e sim em reuniões semanais ou mensais nas residências de seus participantes. “Atualmente, como grande parte da nova geração de pastores tem nível superior, há uma visão mais aberta para se profissionalizar a gestão das igrejas e não encarar como uma mercantilização da fé”, enfatiza Vieira. Um exemplo disso, na visão dele, é a contratação, cada vez maior, de gerentes executivos - vindos de multinacionais - para tocar os negócios do templo. “As congreções que aplicam um método mais corporativo crescem 30% ao ano. A Batista é a que tem mais utilizado essa concepção”, expõe Vieira. Em Pernambuco, muitas Assembléias de Deus têm seguido a linha Batista no uso do recurso tecnológico. O preço do Church varia de acordo com o porte da igreja e o modelo instalado. Um templo com mil pessoas, por exemplo, precisa desembolsar R$ 600,00 para o pacote de rede local e R$ 10 mil caso queira ter acesso ao sistema de sua igreja em qualquer parte do globo. O negócio rende R$ 500 mil por ano à DM10 Informática, que vende o produto e, até 2010, quer invadir o poderoso mercado católico.

SERVIÇO
DM10 Informática - www.church.com.br
(11) 5535-5176 / comercial@dm10.com.br

Chevrolet Hall investe em eventos cristãos

Não precisa ir muito longe para sentir o retorno do público evangélico diante de seus ídolos do mercado fonográfico. A avalanche de shows cristãos nos últimos meses no Chevrolet Hall, maior casa de espetáculos de Pernambuco, responde bem esse feed-back. Pelos palcos do Chevrolet já passaram, neste ano, seis atrações de peso do segmento religioso e mais três estão agendadas até dezembro. A direção do espaço não revela faturamentos, mas sintetiza, metaforicamente, que são as “pratas da casa”. “De 2007 para 2008, a presença de artistas religiosos na programação do Chevrolet cresceu 200%. Hoje, 15% da agenda é ocupada por cristãos. Para 2009, os pedidos são inúmeros. Estamos negociando o retorno do grupo Diante do Trono, do conferencista Silas Malafaia e da cantora Aline Barros”, adianta o gerente de Marketing da casa, Manolo Cunha. Segundo ele, um dos maiores sucessos de público religioso, neste ano, foi o evento da Renovação Católica Carismática (RCC): 16 mil pessoas. Dia 30 voltam. Outros destaques foram as celebrações musicadas do Diante do Trono (22 mil participantes em dois dias de culto) e o show do Nordeste Gospel, que trouxe os cantores Fernanda Brum, Kleber Lucas e André Valadão - média de audiência de oito mil pessoas. No próximo sábado, será lá o tradicional Recifeliz, encontro de louvor e pregação que deverá atrair mais de dez mil evangélicos. A locação do espaço, de acordo com os organizadores, custou R$ 50 mil.

Lamir Verçoza
FOLHA-PE

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