POR ELIZANGELA SANTOS
Repórter
Juazeiro do Norte. Em 24 de março de 1844 nascia o homem que entraria para história como o maior mito da religiosidade popular do Brasil. “E quem é ele...”, ecoa a música preparando os ouvidos para relatar a vida do sacerdote das massas nordestinas, sofridas pela pobreza, calejadas pela seca. Cícero Romão Batistas, filho de comerciante, Joaquim Romão Batista, e Vicência Romana. São 164 anos hoje. O Padre Cícero, imortalizado na fé do homem sertanejo, nasceu no Crato e faleceu na terra que se tornou fundador e pai, Juazeiro do Norte, aos 90 anos. Às 6 horas acontece celebração da missa em ação de graças pelos 164 anos, com o bispo diocesano Dom Fernando Panico, em frente à Capela do Socorro, que este ano completa 100 anos de fundação. O sacerdote, afastado da sua missão de celebrar missas, jamais se distanciou do seu povo romeiro. Em todos os recônditos do Nordeste, era conhecido o padre que ofertou a hóstia à beata Marua Araújo, no dia 6 de março de 1889, que transformou-se em sangue na sua boca. Era o “Milagre de Juazeiro”.
São muitas as teses, biografias, relatos históricos de um episódio, que mesmo com o poder da Igreja para tentar ocultar, na época, hoje essa mesma instituição católica, aos poucos, parece reconhecer o que não tem mais volta. Padre Cícero é santo do coração e da alma dos milhares de devotos nordestinos e brasileiros. O filme de Wolney de Oliveira relata bem esse momento da beata, todo o sofrimento enfrentado pela mulher pobre, negra e beata. A pesquisadora paulista Maria do Carmo Pagan Forti expôs em seu livro o caso como um fenômeno paranormal, conhecido como aporte. Pela primeira vez, no final dos anos 80 é levado a público o assunto. Antes, era um nome praticamente proibido de se mencionar. O descortinar dessa história ainda está por vir. Uma reviravolta que já se move para a canonização do sacerdote.
São muitos os testemunhos de vida e fé num homem que aos poucos foi tomando conta da compreensão de pessoas que partilharam da sua convivência. Em Juazeiro do Norte não é muito difícil encontrar esses personagens. Um deles, o odontólogo, escritor e jornalista Geraldo Menezes Barbosa. “Num caixão azul, carregado pelas mãos do povo e em cima de cabeças chorando, como se fosse um barquinho azul navegando sobre o mar”. Esta é a última visão do Padre Cícero mantida pelo então menino de apenas 10 anos. Vários questionamentos encheram a memória do jornalista filho do carteiro, Francisco Barbosa, que todos os dias ia à casa de Padre Cícero.
Um deles, quando via o “Padim” sair de casa, aos 8 anos de idade, cercado por pessoas. Admirado, Geraldo Barbosa perguntou a mãe o motivo daquelas pessoas não estarem deixando o sacerdote caminhar. Eram os romeiros a pedir esmolas e conselhos. A mãe disse ser o padre um homem bom, por isso era cercado pelas pessoas. Poucas vezes Geraldo chegou a freqüentar a casa de Padre Cícero. Ia sempre com seu pai. Mas o presente recebido dele jamais foi esquecido. Um papagaio, depois de um ano de promessa, foi entregue. Admirado, o menino não ficou muito animado com a encomenda. No encontro que teve com o sacerdote, um ano antes de receber o presente, queria mostrar ao primo que também tinha um. A ave só veio depois do aprendizado da cartilha, como combinado. E o menino ficou questionando como Padre Cícero havia lembrado daquela promessa, já que nem ele mesmo recordava mais. A artista plástica Assunção Gonçalves, 92 anos, é uma das pessoas que tiveram a oportunidade de conviver com o Padrinho. Na sua casa estão vários objetos que pertenceram ao sacerdote, inclusive a escrivaninha onde ele escrevia as cartas. “Ele escrevia até para o rei da Bélgica e vinha resposta”, diz ela, que descreveu a história antiga de Juazeiro por meio de pinturas em telas. Ela conserva um quadro de Nossa Senhora das Dores, que pertenceu ao padre, e um prato, que está afixado na parede. Os pedidos por meio das cartas era principalmente de auxílio aos mais necessitados. A vida do sacerdote se consagra pelos testemunhos de fé do povo. A cada ano, eventos são realizados para comemorar a data de aniversário, promover e divulgar estudos sobre a vida e os milagres. Milhares de romeiros, durante a Semana Santa, vêm lembrar da “Via Crucis” de Jesus, se sacrificando, em jejum, nas ladeiras do Horto. O pensamento é em Deus e no “Padim”, por dias melhores. São pagadores de promessas que vêm percorrer os caminhos trilhados pelo “Patriarca dos Romeiros”. Museu vivo - A sua estátua, de 27 metros de altura, é a terceira maior do mundo, depois das estátuas da Liberdade e do Cristo Redentor. O monumento é o principal centro de visitações na cidade. Na Colina do Horto, o local também oferece ao visitante o Museu Vivo Padre Cícero, com estátuas em tamanho natural, que “revivem” os principais momentos da vida do sacerdote, na casa que serviu de morada a Romão Batista. Ontem, foi aberta a XXVI Semana do Padre Cícero.
Vai até o dia 28 de março. A cidade acordou ontem com alvoradas festivas. Para marcar a Semana comemorativa, a ExpoCícero foi aberta no hall do Memorial Padre Cícero. Às 19h30min, foram homenageados os grupos de tradição na Praça do Socorro, onde se realiza ainda a 20ª Seresta do Padre Cícero e à meia-noite o corte do bolo e show pirotécnico. O evento foi idealizado pela professora Nair Silva. Eventos comemorativos, como a 26ª Corrida Padre Cícero, de Crato até o Juazeiro, concursos e I Fórum Sobre a História do Homem e do Santo do Povo, no dia 26, no Colégio Salesiano Dom Bosco, estão entre as atrações dos festejos. Mais informações: Secretaria de Paróquia/ Matriz N. Sra. das Dores. Rua Padre Cícero, 147, Centro. Juazeiro do Norte (CE). (88) 3511.2202 - HISTÓRIA ORAL - Romeira lembra da presença do sacerdote na vida de Juazeiro - Juazeiro do Norte. Da época do Padre Cícero, uma história de romeira para contar. Rosalva da Conceição Lima, conhecida por dona Rosinha, 87 anos, tinha 14 anos quando o Padre Cícero faleceu. Foi testemunha de missas, onde ele estava, não como celebrante, mas um missionário que, mesmo suspenso de ordens, não abandonou a religião, e continuava sendo um pastor, orientador das grandes massas. Ela lembra dos momentos em que os romeiros iam até a janela do sobrado, hoje Museu São José, onde morava o Padre Cícero. “As pessoas iam se aconselhar para tudo que iam fazer na vida e ele sabia de tudo, era como se adivinhasse o futuro”, diz. Quem ia vender ou comprar terreno, mudar de cidade, só fazia depois de ouvir a opinião do padre. Para quem desobedecia o sacerdote, segundo ela, a resposta vinha logo. Dona Rosinha, a senhora carpideira desde os 12 anos, mora hoje na Rua do Horto, perto da estátua do patriarca dos nordestinos. “Ele pisou na piçarra dessa rua, antes do calçamento”, diz. Tem gente, segundo ela, que não acredita, mas chegou a participar de missas onde estava presente o ‘Padim’, naquele momento suspenso de ordens. Não podia celebrar, mas estava rezando de joelhos, assistindo outro sacerdote fazer a celebração. Comungava. Era um cidadão comum. “Uma prova de humildade do Padre Cícero”, diz ela.
Muito bom
ResponderExcluirBoa tarde