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segunda-feira, 10 de agosto de 2009

SISTEMA PENITENCIÁRIO - O GRITO DOS INOCENTES ECOA ATRÁS DAS GRADES


“Alguém certamente havia caluniado Josef K., pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal algum.” A frase do romance O processo, de Franz Kafka, poderia iniciar um livro sobre a vida de Lúcia Silvânia Bezerra, 28 anos, inocente que passou um ano e 45 dias presa na Colônia Penal Feminina, no Recife. Lentidão da Justiça, prisões arbitrárias feitas pela polícia e falta de defensores públicos formam a equação que torna frequente casos como o de Lúcia.

“Eu perguntei aos policiais por que estava sendo presa e eles não souberam dizer. Depois, descobri que achavam que eu era uma sequestradora”, conta ela, que foi detida em 2005. O único indício que a polícia tinha da culpa de Lúcia era que o celular dela foi utilizado em um sequestro. Detalhe: o aparelho havia sido roubado durante um assalto ao ônibus onde ela estava. “Quando, finalmente, fui à audiência, reconheci o homem que havia roubado meu celular, prestando depoimento, e o juiz achou que eu estava trocando olhares com ele”, lembra. Ao fim do processo, de suposta tesoureira de uma quadrilha, Lúcia passou a inocente e, hoje, processa o Estado em R$ 2 milhões. “Ela está traumatizada e tomando remédios controlados. Esse valor é ínfimo diante do sofrimento que Lúcia passou”, afirma o advogado dela, José Afonso Bragança Borges.

A questão dos inocentes presos no Estado ganhou repercussão mundial no mês passado, após a mulher do boxeador Arturo Gatti, Amanda Carine Barbosa Rodrigues, 23 anos, ficar detida 18 dias sob suspeita de matar o marido. No fim, a perícia constatou que o atleta havia se enforcado e Amanda foi libertada. Se não tivesse dinheiro para pagar um advogado e os olhares da opinião pública sobre seu caso, talvez ela ficasse muito mais tempo detida. “Há um fator que a gente não pode esquecer que é o social. Boa parte desses presos nunca foi sequer cidadão, não tem nem documento de identidade”, diz o promotor de Execuções Penais Marcellus Ugiette.

Dos 19.525 detentos nas 17 prisões do Estado, 12.992 são provisórios. Presos que não só não têm sentença como, muitas vezes, são esquecidos na cadeia e acabam passando anos sem uma audiência com um juiz. “Do ponto de vista técnico, em tese, já há um erro. O prazo razoável para se julgar alguém, principalmente preso, é de 90 dias”, afirma o promotor Ugiette. Em uma rápida pesquisa em seus arquivos, o promotor encontrou um caso recente que exemplifica a frequência do problema. Givanildo Agra da Silva, de Caruaru, no Agreste, foi libertado na semana passada após ficar preso por mais de um ano sob suspeita de estupro. “O caso do meu cliente foi um absurdo, mas o juiz não viu assim e o deixou preso quase até o final do processo”, diz o advogado dele, Gilmar de Araújo Pimenta.

O juiz corregedor auxiliar de presídios Humberto Inojosa diz que magistrados, promotores e defensores estão sobrecarregados de trabalho, o que acarreta lentidão. “Existe a possibilidade de uma pessoa ficar presa provisoriamente e não ser condenada, o que não é ilegal, mas é injusto”, diz. Para detectar esses erros, colocando em liberdade pessoas que poderiam cumprir penas alternativas ou responder processo em liberdade, será realizado um mutirão no Estado a partir de quarta-feira. A estimativa é que de 10% a 15% dos detentos provisórios poderiam estar cumprindo penas alternativas ou em liberdade.

“Há pessoas presas há mais de cinco anos por furto simples, misturadas com homicidas”, afirma a defensora pública Natalli Brandi.

O principal obstáculo ao êxito do mutirão do judiciário é justamente a falta de advogados, necessários para o andamento de qualquer processo criminal. Cerca de 70% dos presos não têm dinheiro para pagar um profissional e os 217 defensores públicos de Pernambuco não dão conta da demanda. Para se ter uma ideia do tamanho do problema, em 84 das 184 cidades do Estado não há advogados gratuitos.

A enorme quantidade de detenções em flagrante e pedidos de prisão cautelar preocupa a todos que vivem de perto o cotidiano das prisões. “Na dúvida, a pessoa é inocente e tem de responder em liberdade”, afirma a gerente da Colônia Penal Feminina, Ana Moura. A Polícia Civil de Pernambuco afirma, em nota, que o critério usado para as prisões cautelares está de acordo com a lei. “Esta prisão é o meio investigatório idôneo para instrução do inquérito policial, que visa atender fins de interesse público”, afirma o comunicado.

A tecnologia é uma das apostas da Secretaria Estadual de Ressocialização para diminuir as injustiças e acelerar os processos. Segundo o secretário Humberto Vianna, duas prisões, entre elas a maior do Estado, a Penitenciária Professor Aníbal Bruno, estão em fase final de implantação do sistema de videoconferência. Com a nova ferramenta, as audiências entre o juiz e os detentos poderão ser realizadas sem necessidade de deslocar os presos até o fórum. Vianna afirma que, paralelamente a isso, o governo do Estado trabalha para tentar diminuir o déficit de vagas no sistema prisional. “Estamos construindo oito cadeias públicas, um centro de ressocialização e um presídio, que criarão 4 mil vagas”, relata. Hoje, há 19.525 detentos espremidos onde há espaço apenas para 8.289, um déficit de 11.236 vagas.

Artur Rodrigues
Especial para o JC

2 comentários:

Unknown disse...

Há muitos casos de inocentes presos, sem contar os beneficiados pela lei, como os idosos que morrem sem conseguir a liberdade que já é sua por direito. Seguem os condenados injustamente por motivos variados tais como confissão por coação, mentiras na denúncia, contaminação processual, disputas políticas, dificuldade econômica em contratar defensores, falta de ferramentas científicas formais de investigação (detetor de mentiras / DNA ) etc.

Mara disse...

Bom dia, parabéns pelo excelente blog. Escrevi artigo sobre a DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E "O PROCESSO" DE FRANZ KAFKA. Se puder conferir é só acessar meu blog: www.marapauladearaujo.blogspot.com

Felicidades