ARARIPINA

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PMA

domingo, 17 de maio de 2009

NORDESTE - O FRAGELO DA CHUVA


O Nordeste sucumbe. E, desta vez, não é a seca que castiga. Sempre clamada como solução, a chuva virou inimiga. Nas últimas semanas, a força das águas expôs a fragilidade da região. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), reputa 2009 como um dos três anos mais chuvosos em meio século.

À violenta tempestade, somam-se outros fatores. Geografia que favorece as enchentes, população que insiste em habitar áreas de risco e defesas civis ineficazes. O resultado da equação é desolador: uma fatia do Brasil submersa e devastada.

Boletim divulgado na sexta-feira pela Secretaria Nacional de Defesa Civil revela que as chuvas provocaram 44 mortes na região desde abril. A situação é mais crítica no Ceará e no Maranhão, com 15 e 10 óbitos, respectivamente. Apenas no Piauí e no Rio Grande do Norte não houve mortes.

O climatologista Lincoln Alves, do Inpe, explica que uma das razões para as fortes chuvas que castigam o Nordeste é o fenômeno conhecido como La Niña, que consiste no resfriamento anômalo das águas superficiais do Oceano Pacífico Equatorial, modificando a dinâmica da atmosfera e o clima.

Associado à La Niña, outro sistema meteorológico contribui para as enchentes: a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), principal causadora das chuvas na região, “também tem determinado o deslocamento para latitudes mais ao sul do globo. Estamos tendo temperaturas mais frias no norte do Oceano Atlântico e temperaturas mais quentes ao sul, o que faz as chuvas migrarem, atingindo sobretudo o semiárido do Nordeste”.

O meteorologista Luiz Souza, do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Inpe, esclarece que esse sistema, também considerado anormal, coopera para que os temporais sejam mais agressivos: “Ventos alísios convergem e formam bandas de nebulosidade que, desta vez, oscilaram mais para o hemisfério sul. Estamos vendo chuvas mais significativas e concentradas, pois a escala é de centenas de quilômetros, algo não muito abrangente e que afeta mais a parte norte da região”.


Alves ressalta que, desde janeiro, “as previsões do tempo indicavam padrões acima da média” para o Nordeste. Segundo ele, medidas de defesa civil, embora não fossem capazes de evitar transtornos, minimizariam os impactos negativos. “Seria preciso, desde cedo, informar a população sobre os riscos, acompanhar diariamente a situação, retirar as pessoas e fornecer a elas alimentação, água e um local apropriado. A prevenção ajudaria a diminuir os efeitos”, pondera.

Luiz Souza, por sua vez, lembra que boletins meteorológicos com previsões detalhadas são emitidos com sete dias de antecedência. Ele, no entanto, reconhece que o trabalho de defesa civil no Nordeste não é fácil, pela resistência das famílias em deixar as áreas de risco. “É difícil tirar a população desses locais. É muita gente e todo mundo insiste em ficar”, admite.

A tendência para as próximas semanas, diz ele, é que a ZCIT migre para o hemisfério norte, o que não impede a ocorrência de pancadas de chuva na região.

O professor Ranieri Nóbrega, do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), destaca que o aquecimento global, aumento das temperaturas dos oceanos e do ar, é outro componente que não pode ser desconsiderado. “O aquecimento global faz com que fenômenos como La Niña sejam mais frequentes.”

Ranieri, que tem doutorado em meteorologia, avalia que a urbanização desenfreada agrava a situação: “As cidades não estão preparadas para esses inchaços. A população, cada vez mais urbana, se distribui de forma precária, e as consequências são trágicas”.

A geografia dos Estados nordestino favorece as enchentes. Parte do Maranhão integra a bacia amazônica. “A principal peculiaridade maranhense é que há uma quantidade de rios considerável. Em regiões com bacias hidrográficas perto dos oceanos, os rios enchem muito rápido. O solo supersaturado não absorve água. Tudo isso faz com que os desastres naturais sejam maiores”, alerta Nóbrega. A Bahia, por sua vez, é atravessada pelo Rio São Francisco. Em Salvador, um sem-número de morros coloca em risco a população.

O traço que marca o Ceará e a Paraíba é a grande quantidade de açudes. “Quando um açude é preparado, as pessoas não imaginam chuvas nessa intensidade atual, e aí acabam ocorrendo transbordamentos”, cita. No Ceará, de 131 açudes contabilizados pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos, 115 já sangraram.

A situação é crítica no Vale do Jaguaribe, onde o rio abastece o maior açude cearense, o Castanhão, capaz de armazenar 6,7 bilhões de metros cúbicos de água e que há uma semana tem gerado excedente hídrico, provocando inundações.

Alagoas e Rio Grande do Norte, Estados cuja maior parte do território está na faixa litorânea, possuem relevo muito baixo. “Alagoas é mais influenciado pelas frentes frias, enquanto o Rio Grande do Norte é atingido pela ZCIT. E ambos estão pouco acima do mar, o que facilita as enchentes, porque a água demora mais a escoar”, explica.

O Ceará tem sido o Estado mais castigado pelas chuvas. Embora o Inpe tenha divulgado com três meses de antecedência que as chuvas seriam mais violentas, a Coordenadoria de Defesa Civil do Ceará, vinculada ao Corpo de Bombeiros, não realizou nenhuma medida para tentar amenizar os impactos.

“Não houve ação específica de prevenção. Foi uma surpresa para a gente, porque nunca tivemos transtornos nesse nível por aqui”, declara o tenente José Danilo Queiroz. “Na verdade, a prevenção é algo complicado. Ninguém quer sair das áreas de risco, por uma questão cultural e também financeira. Além disso, vivemos uma situação inédita. Não tínhamos noção dos estragos”, completa o capitão Warner Campos.

No Maranhão, a dificuldade de acesso às cidades afetadas dificulta o trabalho da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil. “Estamos com mil quilômetros de estradas danificadas. Um helicóptero está ajudando nas operações, e a prioridade é entregar medicamentos. Infelizmente, quem tem fome vai esperar”, afirma o major Abner Carvalho. Quatro postos avançados foram montados no interior para distribuição de donativos.

Abner também reconhece que o Estado não se preparou como deveria para as enchentes. “Imaginamos um inverno rigoroso, mas não algo que viesse a afetar o povo dessa forma. Imaginamos um aperto de mão mais forte, mas não capaz de arrebentar nossos dedos. De repente, a gente estava debaixo d’água. Além do mais, é difícil o governo se mobilizar em prevenção”, admite. O medo da população é que, passadas as chuvas, autoridades esqueçam o problema.

EM PERNAMBUCO, ALERTA VAI ATÉ AGOSTO

Pernambuco pouco foi afetado pelas fortes chuvas que devastam o Nordeste desde o mês passado. Somente nos últimos dias, temporais começaram a castigar o Agreste e o Sertão do Estado. Oito cidades já decretaram situação de emergência, entre elas Belo Jardim e Tacaratu, as mais prejudicadas. Em Caruaru, os estragos também já são sentidos. As chuvas causaram, até sexta-feira, uma morte, atingiram 13 municípios e afetaram 62 mil pernambucanos. Os desabrigados somam 209, enquanto os desabrigados passam dos 800.

Os números são modestos se comparados com a situação de penúria dos vizinhos Ceará e Piauí, além do Maranhão. No lugar do alívio, porém, o momento deve ser de precaução. Meteorologistas alegam que Pernambuco não foi tão castigado até agora porque a maior fatia do Estado está inserida em outro regime pluvial, que começa este mês e se estende até agosto. E, segundo estudiosos, vem chuva forte por aí.

“A faixa leste do Nordeste, que inclui a maior parte de Pernambuco e o Recife, faz parte de outro período chuvoso. Com essa configuração, vai ser uma época de bastante chuva também, afetando sobretudo o litoral pernambucano, sergipano, paraibano e alagoano. A tendência é de temporais mais fortes”, alerta o climatologista Lincoln Alves.

Esta semana, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) realiza reunião com meteorologistas de todo o Brasil para traçar um diagnóstico atual das chuvas no semiárido nordestino e fazer uma previsão minuciosa das chuvas que devem atingir o litoral da região. “Vamos informar os governos sobre os possíveis impactos dessas chuvas, para que eles tomem medidas de prevenção”, diz Lincoln.

O objetivo é amenizar os efeitos negativos provocados pela chuva. “A defesa civil de cada Estado precisa ficar atenta nos próximos três meses, para minimizar os impactos”, acredita. “As chuvas que atingem o litoral nordestino são aglomerados de nuvens que vêm do Oceano Atlântico e, desta vez, chegarão mais carregados”, complementa o meteorologista Luiz Souza.

O coordenador de Defesa Civil de Pernambuco, major Cássio Sinomar, garante que o Estado está preparado para as chuvas. “Fizemos cursos de operacionalização e temos um plano estadual de contingência para caso haja um grande desastre. Estamos fazendo trabalhos de prevenção, como monitorar as bacias hidrográficas. Pedimos também a ajuda da população que vive em áreas de risco. A conscientização é importante. O principal objetivo é evitar danos humanos”, declara Sinomar.


Wagner Sarmento
wsarmento@jc.com.br

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